Presidente recebe partidos esta terça-feira e quarta-feira. Novo Governo pode tomar posse a partir de 19 de fevereiro. Peritos alertam: país pode entrar em regime de "presidencialismo do primeiro-ministro".
Corpo do artigo
António Costa prometeu que a relação entre Governo e presidente da República continuará a ser "solidária", mas a vitória do PS com maioria absoluta nas legislativas retira protagonismo a Marcelo Rebelo de Sousa. Habituado a intervir na vida política do país - na véspera das eleições, defendeu que o país precisa de "mudanças de fundo" -, o chefe de Estado assistirá agora a uma "grande transferência de poder" para o primeiro-ministro, segundo politólogos ouvidos pelo JN. Marcelo recebe partidos esta terça-feira e quarta-feira. A expectativa é que Costa seja rapidamente indigitado, podendo a posse ser a 19 de fevereiro.
14543760
A lei eleitoral dá dez dias para o apuramento dos resultados, findos os quais a Comissão Nacional de Eleições dispõe de mais oito para os enviar para publicação em "Diário da República". A primeira reunião do Parlamento só poderá ocorrer três dias após essa publicação, o que deve acontecer em meados deste mês.
Será o pontapé de saída de um novo Parlamento, com os partidos à Direita do PSD fortalecidos, BE e PCP em perda e um PS com a segunda maioria da sua história, depois da que José Sócrates conquistou em 2005.
14535994
O resultado apanhou todos de surpresa, incluindo Marcelo: "O presidente estava a pensar que iria ter um papel super ativo e não o vai ter", afirma Viriato Soromenho-Marques ao JN. O catedrático da Universidade de Lisboa defende que o desfecho traz uma "grande transferência de poder" do presidente para António Costa.
José Fontes, da Academia Militar, concorda, mas alerta que, "muitas vezes, é nesta situação que o poder da palavra do presidente se torna mais audível".
Instados a explicar até que ponto as maiorias absolutas podem fazer pender a balança a favor dos Governos, ambos citam Adriano Moreira, antigo líder do CDS, que um dia afirmou que estas abrem caminho a um "presidencialismo do primeiro-ministro". E tal poderá ocorrer desta vez? "Aconteceu com Cavaco Silva e com José Sócrates. Só não vai acontecer com António Costa se ele não quiser", antevê Soromenho-Marques, acrescentando que a Constituição "não dá margem de manobra" a Marcelo.
Augusto Santos Silva, dirigente do PS, defendeu, na segunda-feira, na CNN que não haverá grandes alterações na relação São Bento/Belém. E que o presidente "não precisa de andar de olho, basta cumprir as suas competências", insistindo que Marcelo manterá o seu "poder de influência considerável".
"Coisas não vão correr bem"
José Fontes duvida que Costa queira, pelo menos ao início, "impor a sua vontade". Soromenho-Marques também acredita que a relação Belém/São Bento se manterá "civilizada", considerando que a "sensibilidade" de Costa dificilmente o fará "comprar uma guerra" com Marcelo.
14547343
Apesar disso, o politólogo está pessimista: "Objetivamente, estão criadas as condições para que as coisas não corram bem e para que o Governo governe sozinho", refere. Esse desfecho só seria evitado de duas formas: com uma "oposição forte" - que entende não existir - ou com uma "firme vigilância" da parte de Costa contra os interesses instalados.
Soromenho-Marques diz que o primeiro-ministro "tem a perfeita noção de que o seu maior problema vai ser o PS": com os fundos do PRR a terem de ser aplicados "com muita rapidez", há a possibilidade de que se constituam lobbies dentro e fora do partido. José Fontes também teme os riscos de um poder absoluto, mas prefere "esperar para ver".
Questionado sobre se o "fantasma" de Sócrates poderá pairar sobre esta maioria absoluta, Fontes responde que este resultado mostra que "o povo já não se lembra" desse período. Para Soromenho-Marques, "os portugueses mostraram ter consciência da fragilidade do país e foram muito recetivos à mensagem de estabilidade".
Braços-de-ferro
Procuradoria Europeia
Associou crítica a "campanha contra Portugal"
O ano de 2021 começou com a ministra da Justiça sob fogo pela nomeação lusa para procurador-europeu. Perante as críticas, António Costa acusou os sociais-democratas de fazerem "campanha contra Portugal".
Apoios sociais
Derrotou Marcelo e Parlamento no TC
Em março de 2021, o Parlamento aprovou, contra o Governo, o reforço dos apoios sociais, que Marcelo apoiou. O primeiro-ministro não gostou, recorreu ao Constitucional e, no final, os juízes deram-lhe razão.
Remodelação adiada
Cabrita só saiu com o fim da legislatura à vista
A pressão para deixar cair Eduardo Cabrita foi intensa, mas António Costa resistiu (quase) até ao fim a demitir o ex-ministro da Administração Interna envolvido num acidente de automóvel mortal. Cabrita acabaria por sair à beira da campanha, para proteger o PS.