Vendas disparam nas farmácias da raia. Compra só com receita tradicional em papel.
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Rosa Cruz e Fernando Almeida, de Gaia, foram passear a Tui, em Espanha, e levaram a guia de uma receita eletrónica para perguntar numa farmácia espanhola se podiam comprar Inderal. O medicamento para o coração (arritmias), hipertensão e angina de peito, que está em rutura em Portugal (embora o genérico com rótulo espanhol já esteja a chegar aos balcões lusos), pode ser adquirido nas farmácias espanholas, mas apenas mediante a apresentação de receita em papel. A receita eletrónica não é reconhecida (pelo sistema) em Espanha.
O casal regressou a Gaia de mãos vazias, assim como muitos portugueses que estão a atravessar a fronteira na esperança de adquirir o fármaco. Ainda assim, as farmácias espanholas vendem como nunca o genérico Propranolol Accord e até já se viram forçadas a reforçar os stocks por causa da forte procura portuguesa. O Ozempic, um medicamento para a diabetes sujeito a prescrição médica, que virou moda por ser eficaz na perda de peso, também está a ser muito procurado, mas corre o risco de rutura.
"Estamos a receber, todos os dias, e-mails e chamadas de Portugal a perguntar se há o Inderal. Explicamos que temos um genérico. Multiplicámos muito as vendas nas últimas três semanas e aumentam a cada dia", conta, ao JN, Jorge Lopez, dono de uma das mais antigas farmácias, entre as seis que existem em Tui.
Cada embalagem de Propranolol Accord 10 miligramas custa 1,26 euros, e a de 40 miligramas, 1,98 euros. "Em julho, não vendi uma unidade. Normalmente, sai uma ou duas por mês. Desde 8 de outubro, já vendi 13 e vendia muitas mais, se não fosse o problema de muita gente de Portugal não trazer a receita em papel", conta o farmacêutico, que, de "três caixas em stock, passou para 40".
Quanto ao Ozempic, que custa 132,50 euros, conta que a agência espanhola do medicamento já informou as farmácia que "houve um aumento da sua utilização em muitos países e que o laboratório não estava à espera, por isso há problemas de fornecimento". "Já não o estamos a receber e estamos avisados que a qualquer momento pode parar", adianta Jorge Lopez.
Guia do utente não serve
Charo Suarez, que administra outra farmácia de Tui, também já atendeu chamadas de portugueses. A seu lado, o farmacêutico Adrian Prieto comenta que os telefonemas "chegam de todo o lado. Viana do Castelo, Porto e até de Lisboa". Aponta para um amontoado de caixas de Propranolol Accord, referindo: "Hoje temos oito encomendas". Charo, desliga a chamada e alerta: "Digam lá em Portugal que é preciso a receita de papel com toda a informação e selo. A guia de utente não serve. Vai muita gente embora sem o medicamente, porque, sem ela, não o podemos dispensar".
Numa terceira farmácia de Tui, Conchi Martinez, conta que o fármaco equivalente ao Inderal em Espanha, que é o Sumial, também está em rutura. E que o que tem valido aos espanhóis e, agora também aos portugueses, é mesmo o genérico.
"A procura aumentou muitíssimo. Em setembro, vendi uma caixa e, em outubro, 22. Parece que, em Portugal, toda a gente precisa de Inderal", informa, comentando: "Podíamos vender mais, mas a nossa eletrónica não reconhece as receitas portuguesas. Soube que, na Extremadura, já existe um programa-piloto que opera as receitas dos dois países, mas aqui, na Galiza, não temos". Conchi revela, ainda, que está a haver "uma procura excessiva do Ozempic, muitas vezes sem receita, principalmente dos portugueses".
Propranolol Accord já está a chegar às farmácias lusas
O Inderal é um dos vários medicamentos em rutura no mercado português e sem alternativa dentro da mesma molécula.
O Infarmed já autorizou, a título excecional, a utilização de um medicamento rotulado em espanhol para substituir o Inderal, que está em rutura nas farmácias portuguesas. As embalagens do Propranolol Accord 10 mg, com indicação para o tratamento da hipertensão, angina de peito e arritmias cardíacas, serão fornecidas por um laboratório de genéricos de Espanha, mas conterão um folheto informativo em português.
Na passada segunda-feira, havia 858 medicamentos em rutura nas farmácias. São 8% do total de 9545 fármacos comercializados e sujeitos a receita médica.