Empresas estão a pedir mais de três euros por almoço para o próximo ano letivo, mas o Governo só paga 1,40 euros aos municípios. Autarcas reclamam o aumento do pagamento do Estado. Associação Nacional de Municípios está a discutir tema com Executivo.
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Muitos municípios estão com dificuldade em contratar o fornecimento de refeições escolares para o próximo ano letivo, porque as empresas estão a pedir o dobro do que o Estado paga. E já há concursos públicos sem qualquer candidato. Os autarcas temem prejuízos de milhares de euros, caso o Governo não aumente de imediato a comparticipação.
Por aluno, a tutela paga cerca de 1,40 euros às câmaras, mas as empresas estão a pedir mais de três euros por refeição devido ao aumento do preço dos combustíveis, dos alimentos e do salário mínimo. O JN apurou que o tema será discutido, esta semana, na comissão técnica que acompanha o processo de descentralização, na qual têm assento a Associação Nacional de Municípios (ANMP) e representantes do Estado. O Governo foi alertado para o problema, antes da aprovação do Orçamento do Estado.
"Há colegas que estão a comprar refeições por três euros", revelou Fernando Queiroga, presidente da Câmara de Boticas e vogal da ANMP, dando conta de que já existe um compromisso por parte do Governo de subir a comparticipação. O montante estará a ser avaliado, garante. "Tivemos uma grande deceção por não ter sido corrigida no Orçamento do Estado. É mais uma acha na fogueira da descentralização", complementa Hélder Sousa e Silva, autarca de Mafra e vice-presidente da ANMP. O Ministério da Coesão Territorial não deu resposta ao JN.
Alerta à Concorrência
A transferência de competências para os municípios na área da Educação foi consumada em abril. O processo tem gerado controvérsia com alguns autarcas a alertarem que o cheque do Governo é insuficiente para fazer face às despesas.
Agora, no momento em que muitas câmaras lançam os concursos públicos para a contratação das refeições para o próximo ano letivo, estão a ser surpreendidas por pedidos de mais de três euros por almoço. "As refeições mais do que vão duplicar, o que criará um desequilíbrio tremendo nas câmaras. Vamos receber do Estado 1,40 euros por refeição. São contas de 2018 e estamos em 2022", criticou José Pinheiro, autarca de Vale de Cambra. Na Póvoa de Varzim, o aumento do preço das refeições obrigará a autarquia a suportar um acréscimo de "mais de um milhão de euros. Há concursos a três euros a ficarem desertos e não vejo a ANMP preocupada", lamentou o autarca Aires Pereira, que ameaça sair da associação.
S. João da Madeira lançará o concurso "dentro de dias". Mas, face à consulta ao mercado, "os preços são muito superiores aos atuais". O autarca Jorge Sequeira deixa um alerta à Autoridade da Concorrência, de modo a que "esteja atenta à subida de preços para que não haja cartelização para deixar os concursos desertos". Trofa também espera um agravamento dos custos.
Cascais duplicou há três anos o valor pago por refeição. "O Estado não pode ser cínico e tem que perceber qual é o valor justo para garantir que os seus alunos se alimentam bem", disse o autarca Carlos Carreiras.
Há autarquias que já adjudicaram o serviço, mas admitem ter de rever os valores contratados. É o caso de Vila Real e Gaia. "O fornecedor tem dado conta de dificuldades e poderemos ter de acertar os valores. É um problema nacional. Há casos de autarquias que nem sequer conseguem contratar", sustenta Rui Santos, de Vila Real, convencido de que o Governo aumentará a comparticipação. Também o presidente de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, admite ter de reequilibrar o contrato, celebrado em 2021, por 24 milhões. "O problema é a subida dos preços que vai pressionar o contrato. Foi lançado para 24 milhões e, se calhar, vai valer 30 ou 32 milhões de euros".
CAMINHA
"Estamos a subir os preços de referência"
A Câmara de Caminha adotou um modelo de fornecimento de refeições distinto das restantes autarquias: ao invés de contratar empresas, o município cozinha as refeições nas cantinas das duas secundárias do concelho e distribui pelas restantes escolas. O presidente Miguel Alves reconhece dificuldades na compra de alimentos para as refeições. " Já tivemos concursos desertos para o fornecimento de alimentos. O mais recente foi para a compra de bacalhau", contou ao JN o socialista, que tem sido obrigado a subir "os valores em relação a contratos anteriores".
"A subida de preços tem sido galopante e temos tido dificuldades na compra de alguns produtos. Mas em todos os concursos estamos a subir os preços de referência".