Na 20.ª edição das Medalhas de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência foram distinguidas quatro jovens cientistas.
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Da Parkinson aos epitélios, passando pela apneia do sono e doenças parasitárias. São quatro projetos de investigação, escritos no feminino. Por jovens cientistas portuguesas que são nesta quarta-feira distinguidas com as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência. Cláudia Deus, do Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento da Universidade de Coimbra; Laetitia Gaspar, do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra; Mariana Osswald, do i3S da Universidade do Porto; e Sara Silva Pereira, do Centro de Investigação Biomédica da Universidade Católica Portuguesa foram as escolhidas entre dezenas de candidatas por um júri presidido por Alexandre Quintanilha. Cada uma receberá 15 mil euros.
Alterar a progressão da Parkinson
Cláudia Deus, 37 anos, Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento da Universidade de Coimbra
Os caminhos para lá chegar são complexos. Mas podem fazer a diferença numa doença que afetará 20 mil pessoas no nosso país: a Parkinson. O segredo estará no gene Nrf2, capaz de regular dezenas de outros genes, cuja expressão diminui nos doentes com Parkinson. Mas cuja ativação “poderá ser alcançada usando RNA mensageiro sintético (mRNA)”, termo que entrou no nosso dia-a-dia com a pandemia. Aos 37 anos, Cláudia Deus propõe-se desenhar um novo sistema de entrega que, se bem-sucedido, “poderá alterar a progressão da doença de Parkinson”. O prémio que agora recebe, diz a investigadora do Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento da Universidade de Coimbra, é mais uma motivação no seu foco de contribuir para o “avanço do conhecimento científico” na doença de Parkinson. A que se junta a “determinação, persistência e resiliência” para continuar a fazer Ciência em Portugal. No feminino. Sendo mãe de dois petizes de quatro e cinco anos. Porque se é certo “que a mentalidade está a mudar”, também é certo é que “as oportunidades de progressão de carreira científica” são “díspares entre homens e mulheres”.
Apneia e envelhecimento. Que relação?
Laetitia Gaspar, 31 anos, Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
Porque ser “cientista implica fazer perguntas às quais ainda não existe resposta”, Laetitia Gaspar questiona-se: Será que quem padece de apneia do sono envelhece mais rapidamente? É esse o propósito da sua investigação. Na sua relação com o envelhecimento mas também com o aparecimento de outras patologias, como a hipertensão. Avaliando-se como “estas alterações respondem ao tratamento com máscara de pressão positiva continuada, o tratamento mais comum no contexto da apneia do sono”. Pretendendo, ainda, “explorar potenciais indicadores da existência” de apneia do sono “que possam ser detetados no sangue”. O que revolucionaria o diagnóstico. A medalha de honra com que é distinguida, e que “inspira futuras gerações de mulheres a seguir carreiras científicas”, é um “estímulo” para o caminho que traçou. Num país onde urge “definir a carreira de investigação científica”. Numa área, a da biologia, onde “as mulheres são até a maioria”. Proporção que se inverte “nas posições de todo” e, sobretudo, “em cargos de liderança”. Quando o que conta são “as competências individuais e a diversificação do pensamento”.
Resposta dos epitélios às forças mecânicas
Mariana Osswald, 35 anos, i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto
Compreender de que forma os epitélios respondem às forças mecânicas a que estão sujeitos é o propósito da investigadora do i3S. Na medida em que as “perturbações de forma ou organização dos epitélios acontecem em inúmeras patologias, incluindo cancro e doenças inflamatórias”. Para o efeito, Mariana Osswald vai centrar-se no “estudo de uma rede de proteínas que regula a forma e as propriedades mecânicas das células”. Aos 35 anos, a cientista, honrada com a distinção que lhe será hoje entregue, sublinha um trabalho de missão. Num país onde todos sabem que “os vínculos laborais para investigação académica são maioritariamente precários”. Com os investigadores, “tipicamente”, a terem que “concorrer a posições novas a cada 3-6 anos”. E, depois, exemplifica Mariana, para um concurso (de Estímulo ao Emprego Científico Individual da Fundação para a Ciência e Tecnologia) aberto a 4 de abril de 2023, resultados finais a 24 de maio de 2024. Um dos fatores, entre outros, que eleva o desafio de conciliar a investigação com a maternidade. Muitas vezes adiada. Nalguns casos sine die.
Parasitas e as suas interações
Sara Silva Pereira, 30 anos, Centro de Investigação Biomédica da Universidade Católica Portuguesa
Na liderança do laboratório “Interações Parasita-Vasculatura”, no Centro de Investigação Biomédica da Católica, Sara Silva Pereira quer perceber de que forma os “parasitas interagem com os tecidos e causam danos à saúde no contexto de inúmeras doenças parasitárias, incluindo aquelas que chegam aos seres humanos”. Com foco no “’trypanosoma congolense’, um parasita tropical que infeta o gado bovino”. Alargando a investigação a outras doenças causadas por parasitas da mesma família, como a leishmaniose. Num trabalho contínuo, num laboratório para onde já teve de levar a filha de três anos: “ As células não sabem as horas”. Desafios na vida de uma cientista, mãe, mulher. Com o relógio, na academia, “sempre a contar, porque é raro haver a possibilidade” de se ficar “no mesmo patamar por tempo indeterminado”. Numa área cheia de “desafios, mas também de boas oportunidades”. Que se cruzam, como o financiamento, com “mais oportunidades”, mas também “cada vez mais competitivo”. O prémio que agora recebe, acredita, “abrirá portas para novas oportunidades de financiamento e colaborações”.