O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou, esta segunda-feira, o pacote Mais Habitação do Governo por considerar que o diploma não cumprirá o objetivo de disponibilização de habitação "com eficácia e rapidez". Tem medidas excessivamente burocráticas e não é mobilizador de investimento privado.
Corpo do artigo
“O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto que aprova medidas no âmbito da habitação”, lê-se num comunicado no site da Presidência da República, publicado nesta segunda-feira de manhã. O chefe de Estado entende que o diploma final, aprovado pela Assembleia da República em julho só com os votos da maioria socialista, confirmou os riscos que já havia identificado a 9 de março. Então, considerou que o pacote, além de excessivamente otimista e com expetativas elevadas para o prazo de concretização, contém um "irrealismo" quanto aos resultados projetados pelo Governo.
Após a análise do diploma e seis meses depois, Marcelo aponta sete problemas ao pacote do Governo socialista, pelo qual o primeiro-ministro, António Costa, tem dado a cara. "Em termos simples, não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez. É um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente", adverte o presidente, certo de que estas medidas, que são uma bandeira do Governo socialista, não mobilizarão os investidores privados nem os parceiros sociais.
"Isto é, tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral", concretiza ainda, apesar de reconhecer que a maioria absoluta do PS na Assembleia da República permite que, "em escassas semanas", volte a aprovar o pacote e a forçar a sua entrada em vigor. "Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos", frisa.
As sete razões para o veto de Marcelo
Para o chefe de Estado, existem sete problemas no pacote Mais Habitação. Em primeiro lugar, considera que o " Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação", a não ser com o recurso a fundos europeus. Já o apoio concedido a cooperativas ou o uso de edifícios devolutos do Estado, "implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU".
No terceiro e quarto ponto, Marcelo nota que o "arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável", e acrescenta que o regime de alojamento local é igualmente "complexo" o que torna "duvidoso" o alcance imediato dos efeitos pretendidos.
De seguida, o presidente da República explica ainda que apesar das "correções" feitas no arrendamento forçado e no alojamento local, será difícil recuperar a "confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento".
Por fim, o presidente da República considera que o diploma não vislumbra novas medidas e com efeitos imediatos que respondam "ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas". E lamenta que o "acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026".
Segundo uma carta dirigida ao presidente da Assembleia da República, Marcelo explica que a apresentação do programa Mais Habitação acabou por apagar "outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República", "deu uma razão – justa ou injusta – para perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente" e "radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada".
O pacote legislativo contempla mudanças ao nível do arrendamento, dos licenciamentos ou do alojamento local. PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP e BE votaram contra, enquanto Livre e PAN optaram por se abster.
Todos os grupos parlamentares, incluindo o PS, apresentaram alterações à proposta de lei do Governo, mas a maioria foi rejeitada.
Apesar do veto do pacote Mais Habitação, o presidente da República promulgou o decreto do Governo que simplifica os licenciamentos de habitação, embora com algumas reservas. Nomeadamente, a "necessidade de compatibilização entre a simplificação urbanística e outros valores a preservar, como é a segurança e qualidade das edificações, a responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território", lê-se no comunicado.
Medidas mais polémicas do Mais Habitação
O pacote Mais Habitação foi apresentado a 16 de fevereiro de 2023, pelo primeiro-Ministro, e o Governo esperava que as medidas fossem aplicadas a partir de abril de 2023. No entanto, a consulta pública foi prolongada e as novas alterações ao pacote foram apresentadas, novamente por António Costa, a 19 de março. Algumas medidas, como a atribuição do apoio à renda e no crédito à habitação, já foram promulgadas por Marcelo Rebelo de Sousa e entraram de imediato em vigor.
O diploma vetado agora pelo chefe de Estado contempla as medidas mais polémicas e que mereceram forte contestação dos proprietários, dos inquilinos e do Alojamento Local. Em causa estão as alterações, aprovados em julho no Parlamento, relativas às regras para o alojamento local e para o arrendamento coercivo.
É exemplo a obrigação de os apartamentos e estabelecimentos de hospedagem em alojamento local pagarem uma contribuição extraordinária de 15%, deixando de fora os imóveis no interior e onde não haja carência habitacional. Recorde-se que na primeira proposta do Governo, a contribuição prevista era para ser de 35%. Mais tarde foi reduzida para 20% e na proposta de alteração do PS baixou para os 15%. O PSD e a IL apresentaram propostas que visavam eliminar esta contribuição, mas foram rejeitadas.
Outras das medidas que suscitou mais dúvidas está relacionada com o arrendamento coercivo. O Governo pretendia avançar com o arrendamento forçado de e imóveis devolutos há mais de dois anos fora do Interior. No entanto, a proposta aprovada pelos deputados sofreu algumas atenuantes. O instrumento apenas pode ser usado em casos excecionais e desapareceu a penalização fiscal sobre as autarquias que não queiram avançar com o mesmo, podendo continuar a aplicar taxas agravadas de IMI.
Apesar destas alterações, o presidente da República acabou por usar mais uma vez o poder de veto. É a 28.º vez que o faz. Tal como o JN noticiou, Marcelo Rebelo de Sousa já usou o veto político 27 vezes e enviou sete diplomas para o Tribunal Constitucional (TC).