Privados cobram taxas covid sem controlo e com valores que chegam aos 150 euros
Prestadores justificam cobrança a doentes particulares com o custo da proteção reforçada. Deco critica. Alguns grupos e clínicas dentárias já deixaram de cobrar.
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Os valores cobrados aos clientes pelos equipamentos de proteção individual (EPI) dos profissionais de saúde chegam a variar, entre unidades privadas, mais de três vezes. Num dos grandes grupos, há 16 taxas diferentes. E há clientes que não se conformam: "Se existem, é porque têm condições de higiene e segurança para serem hospital. Pressupõe que a existência de vírus, etc., é da responsabilidade deles", diz ao JN José Santos, que pagou taxas em dois hospitais privados.
Enquanto a CUF cobra dois euros de tarifa diária em ambulatório (consultas, atendimento permanente, imagiologia, medicina dentária, etc.) e 19 euros no bloco e exames especiais (o valor máximo na sua tabela de quatro preços diferentes, a partir de um euro), a rede Hospital da Luz pratica uma gama de 16 "valores previsíveis" por "kit" que chegam a 50 euros em bloco (150, se se tratar de doente covid-19), 7,5 euros em medicina dentária (15, em caso covid-19), ou 30 em cardiologia de intervenção.
"exploração comercial"
A CUF - que em março eliminou a cobrança de "kits" por ato médico (o cliente pode realizar vários no mesmo dia) - cobra oito euros de tarifa diária de internamento, mesmo em cuidados intensivos. Já o grupo Luz Saúde anuncia 7,5 euros de diária em internamento em quarto (15 se doente covid) e de 30 em cuidados intermédios ou intensivos (60 para os infetados).
O grupo Lusíadas cobra cinco valores: entre dois euros em ambulatório e 24 em exames especiais, partos e cirurgias, três em atendimento urgente, 12 em internamento e 15 em pequena cirurgia. Os grupos HPA Saúde e Trofa Saúde deixaram de cobrar qualquer valor e muitas clínicas de medicina dentária já abandonaram as "taxas de EPI".
O que justifica uma disparidade tão grande? Ao JN, o grupo Luz Saúde esclarece que, em vez de tarifas generalizadas, selecionou um conjunto de atos e procedimentos nos quais os EPI são necessários em reforço da segurança, garantindo que apenas são cobrados os "kits" nos casos em que são usados. E não aumentou os preços dos serviços. Fonte da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada limitou-se a explicar que são questões do domínio da exploração comercial de cada empresa.
Engenheiro químico aposentado, José Santos, 73 anos, protesta. "Não somos nós que temos de assumir a responsabilidade" pela proteção. Ainda por cima, os custos "não são pagos pela seguradora". Trata-se de "um encarecimento do serviço", comenta Graça Cabral, da Associação de Defesa do Consumidor.
"uma incongruência"
A Deco questiona mesmo as taxas. "É uma incongruência cobrar uma tarifa de segurança num serviço que, por definição, tem de oferecer segurança e tem de ser sinónimo de segurança", vinca a porta-voz.
Os prestadores justificam-se com o "reforço de todas as medidas de higienização e desinfeção" e a "implementação transversal" de EPI, alega a CUF, enquanto o grupo Lusíadas invoca as "significativas alterações" e "mais especificidades". O Luz Saúde diz que só haverá encargos enquanto a DGS exigir proteção reforçada.
A Entidade Reguladora dos Serviços de Saúde (ERS) já esclareceu que os privados podem cobrar os custos adicionais com EPI aos clientes, se o custo não for coberto pelos seguros.
Quanto aos doentes enviados pelo Serviço Nacional de Saúde, seria um "incumprimento contratual" das convenções com o Estado e "viola o direito de acesso à prestação de cuidados de saúde", clarifica a ERS em dois alertas de supervisão e num comunicado de 2020 e 2021, notando que é obrigatória a afixação das tabelas e a informação prévia aos utentes.
No ano passado, o regulador adotou cinco intervenções regulatórias, obrigando cinco entidades a devolver todas as importâncias cobradas.
QUEIXAS
No regulador
A ERS recebeu 3912 queixas sobre faturação adicional, excessiva ou abusiva em 2020 e 2935 em 2021. Até 30 de junho passado, somava 1542. Em 2020, o número de reclamações relacionadas com EPI e higienização foi de 3519. Em 2021, foi de 1348.
Na Deco
Em 2020, a Associação de Defesa do consumidor recebeu mais de 200 queixas relacionadas com a cobrança de EPI. Já neste ano, recebeu mais de três dezenas.