Número de beneficiários sobe desde 2020. Diretores temem que crise agrave casos de carência e pedem reforço dos apoios.
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O número de alunos abrangidos pela Ação Social Escolar (ASE) está a aumentar desde 2020, mas é ligeiramente menor do que em 2017. De acordo com dados enviados ao JN pelo Ministério da Educação (ME), no ano letivo passado, a percentagem de beneficiários era de 37,4%: 370 035 alunos abrangidos num universo de 990 772. Diretores e autarquias receiam que o número continue a subir face ao agravamento da crise económica
"Infelizmente, a tendência vai ser de subida. Claramente", alerta o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Nas escolas, garante Filinto Lima, já são evidentes os sinais de empobrecimento decorrentes da crise inflacionista. Há agrupamentos que continuam, por isso, a fazer recolha de alimentos para distribuir em cabazes.
De acordo com a presidente da Confederação Nacional de Pais, Mariana Carvalho, tendo em conta o que lhe é transmitido nas reuniões com autarquias, o número de alunos a comer nas cantinas disparou este ano, havendo famílias com dívidas no pagamento das refeições.
Nos últimos cinco anos, o total de alunos abrangidos pela ASE sofreu oscilações, tendo-se registado o número mais elevado de beneficiários no ano letivo 2017-2018: 371 436. A percentagem, no entanto, é inferior à do ano passado (28,3%), porque estavam inscritos mais 300 mil alunos do que em 2022.
Entre 2018 e 2020, o número de alunos apoiados baixou sucessivamente. No ano letivo 2019-2020, receberam apoio cerca de um quarto dos alunos inscritos: 320 575. Desde então, há uma subida consecutiva. Em resposta ao JN, o ME atribui a quebra registada neste intervalo à diminuição do número de alunos. E considera que o aumento verificado a partir de 2019 "estará relacionado com os efeitos da pandemia".
Filinto Lima defende o reforço da ASE e a revisão do limiar de elegibilidade para que mais alunos sejam apoiados. "É preciso ser muito pobre para se ter direito aos escalões A e B", frisa.
"Carência oculta"
"As escolas são a primeira porta onde as famílias batem a pedir ajuda", frisa Manuel Pereira. As refeições ou o apoio para material são "uma aspirina", considera o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Valores e limiar são muito baixos e cada vez mais há uma "pobreza encapotada", alerta.
Há alunos que pedem lanche ou reforços e professores e funcionários percebem que são sinais de fome. É preciso estar atento, refere, apontando que percebeu que uma família estava em dificuldade quando soube que tinham deixado de andar de carro por não terem dinheiro para a gasolina. Há muitos exemplos diários, garante.
Manuel Pereira também defende o reforço da ASE e pede autonomia para escolas e autarquias apoiarem mais alunos, independentemente do seu escalão. "Percebo que tenha de haver regras", mas tempos excecionais exigem medidas excecionais, alega. No âmbito da descentralização de competências, os municípios receberam a gestão da ação social a 4 de abril. Há câmaras preocupadas com o possível aumento do número de alunos. E autarquias que complementam os apoios previstos na lei.
Em Faro, por exemplo, um dos distritos em que mais aumentou o número de alunos com ASE, o presidente da Câmara, em resposta escrita ao JN, assume ser "previsível que o número de alunos abrangido pelas medidas de ação social continue a aumentar porque têm vindo a ser diagnosticados nas escolas casos de carência oculta".
O maior problema neste momento, explica ao JN uma psicóloga escolar, é a classe média aflita com a subida das taxas de juro e de preços que está excluída dos apoios.
Diversas câmaras, como Lisboa, Porto, Setúbal, Sintra, Gondomar ou Gaia, já reforçaram este ano letivo a resposta às famílias, desde isenção das refeições dos alunos com escalão B, ao reforço dos valores para material escolar, à redução da comparticipação nas atividades de apoio à família, no Pré-Escolar ou 1.º Ciclo.
A diferença está a diminuir mas, ainda assim, os resultados dos alunos com Ação Social Escolar nas provas nacionais do 9.º ano e nos exames do Secundário são mais baixos em todas as disciplinas, comparativamente aos que não têm escalão, especialmente a Matemática A, Filosofia, Biologia e Geologia e Física e Química, refere o relatório sobre sucesso e equidade, divulgado pela Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência. Em termos de conclusão dos ciclos no tempo esperado, a diferença também tem vindo a ser encurtada, mantendo-se maior nos cursos científico-humanísticos do Secundário: em 2021, 69% de alunos com ASE concluíram ao fim de três anos, menos oito pontos percentuais em relação aos que não têm escalão. No 1.o Ciclo essa diferença é de cinco pontos percentuais e no 2.º Ciclo é de apenas dois pontos.
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Porto perdeu mais
De acordo com os dados do ME, por distritos, o Porto foi o que registou maior quebra nos alunos apoiados desde 2017: menos 6187. Seguindo-se Setúbal (menos 887), Braga (menos 884) e Viana do Castelo (menos 877). No sentido inverso, Aveiro, Faro, Lisboa e Leiria foram os que ganharam mais alunos: 2341, 1910, 720 e 675, respetivamente.
Requisitos e apoios
Em 2022, o rendimento anual das famílias não podia ser superior a 3102 euros para ter acesso ao escalão A (correspondente ao 1.º do abono de família) e a 6204 euros para o escalão B. Além das refeições escolares, os alunos têm direito a apoio para material escolar, visitas de estudo e podem candidatar-se a bolsas de mérito desde que tenham média superior a quatro valores no 9.º ano e a 14 no Secundário.
Autarquias reforçam
Há autarquias que já reforçam os valores atribuídos e aprovam outras medidas de apoio. Por exemplo, Porto, Gaia e Gondomar, de acordo com respostas enviadas ao JN, são casos de municípios que aumentaram os valores para comparticipar o material escolar. Com o programa de manuais, Lisboa passou a atribuir, gratuitamente, aos alunos apoiados os livros de fichas e equipara os abrangidos pelo escalão B ao A, dando-lhes os mesmos apoios. Já Setúbal também reforçou os lanches e isentou as atividades no Pré-Escolar.