Oncologia é a ponta do iceberg e há muito mais doenças por identificar, alertam médicos e administradores. Utentes com menos 2,8 milhões de idas aos hospitais em 2020 e em 2021 comparativamente com 2019.
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A incidência dos cancros da mama, do colo do útero e do cólon e reto está a diminuir. Podia ser uma boa notícia, mas não é. O que está a acontecer é que os doentes não estão a ser diagnosticados por incapacidade do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente dos rastreios oncológicos, profundamente afetados pela pandemia de covid-19. Entre 2020 e 2021, pelo menos 4422 pessoas com aqueles tumores malignos ficaram por identificar e, consequentemente, por tratar, revela o mais recente estudo para o "Movimento Saúde em dia", apresentado esta quarta-feira. Para muitos, quando o diagnóstico chegar, poderá ser tarde de mais.
"É a ponta do iceberg", alertam a Ordem dos Médicos e a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, que integram o movimento criado durante a pandemia, juntamente com a farmacêutica Roche. Além do cancro, há milhares de doentes por diagnosticar com outras patologias como a diabetes e as doenças cardiovasculares. "Isto é apenas o que se pode contabilizar com base em dados públicos", refere Miguel Guimarães, notando que várias sociedades científicas têm vindo a alertar para a redução dos diagnósticos.
Num "zoom" à Oncologia, o estudo, feito pela consultora "Moai Consulting" com base em dados oficiais publicados pelo Ministério da Saúde, revela que foram realizados menos 18% de mamografias, menos 13% de rastreios ao cancro do colo do útero e menos 5% de despistes do cancro do cólon e do reto em 2021, face a 2019. Paralelamente, a incidência de tumores mantém uma tendência decrescente já registada em 2020, que decorre da falta de rastreios e das dificuldades de acesso aos cuidados de saúde. As limitações no acesso, nomeadamente os longos tempos de espera, são, aliás, uma das principais queixas dos utentes quando questionados num estudo da GFK Metrics também apresentado hoje pelo movimento.
Menos idas ao médico
Com uma estimativa para os meses em falta deste ano (outubro, novembro e dezembro), o estudo da Moai Consulting conclui que, em 2021, o número de novos casos de cancro da mama baixou 2% face a 2020, ano que já tinha registado um decréscimo de 19% em relação a 2019. A incidência do cancro do colo do útero baixou 15% (menos 25% entre 2020 e 2019) e da neoplasia do colon e reto diminuiu 9% (menos 22% entre 2020 e 2019). Refira-se que, nos países desenvolvidos, devido ao envelhecimento da população e aos hábitos de vida, é expectável que a incidência de cancro aumente todos os anos.
O estudo mostra ainda que o impacto da covid-19 na atividade assistencial perdura. Embora este ano haja um aumento das consultas médicas presenciais nos centros de saúde (mais 14%) face a 2020, o valor ainda está aquém de 2019. Nos dois últimos anos, conclui a consultora, ficaram por realizar 14 milhões de consultas presenciais.
A nível hospitalar, as consultas e cirurgias estão a normalizar, mas ainda não chega para recuperar o que ficou por fazer no ano passado. Entre 2020 e 2021 terão ficado por realizar mais de 2,8 milhões de contactos com os hospitais, entre consultas, cirurgias programadas e episódios de urgência graves, face a 2019.
Quase 90% a favor de parcerias com setor privado
Mais de metade dos portugueses (56%) avalia o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de forma positiva, mas há vários problemas a resolver, como a falta de profissionais e os tempos de espera. Apesar do aumento das contratações e do investimento no SNS nos últimos anos, as dificuldades mantêm-se e a esmagadora maioria dos utentes é favorável à criação de parcerias com o privado para reencaminhar doentes, quando o público não tem capacidade de resposta em tempo útil.
Estes são alguns dos resultados de um inquérito à população, no âmbito do estudo "Saúde em dia", que tem por base mil entrevistas realizadas entre 20 setembro e 6 de outubro. Questionados sobre a criação de parcerias entre SNS e privados sempre que o público não tem capacidade de resposta, 72% concordam totalmente e 16% concordam em parte (89% de respostas positivas). Apenas 3% discordam das parcerias. Resultados que, para o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, obrigam a repensar o sistema. "Há uma necessidade de suprimir as necessidades imediatas das pessoas, mas tem de haver uma estratégia de médio e longo prazo de reorganização do setor público", defende Alexandre Lourenço, considerando que o Estatuto do SNS, aprovado em Conselho de Ministros, deve ser adiado, porque não responde a esta necessidade e agravará a ineficiência e a falta de autonomia do SNS.
Os portugueses pedem mais profissionais de saúde para o SNS, a diminuição dos tempos de espera para consultas e melhor acesso a exames ou consultas.
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Impacto até 2022
Sobre o impacto da pandemia nos serviços de saúde, 35% dos portugueses entendem que a sobrecarga nos serviços vai prolongar-se por 2022, cerca de 25% dizem que deve durar até final deste ano e 15% antecipam que, durante o outono, a situação deve estar normalizada.
Médico de família
Os portugueses consideram que há vantagens em ter médico de família, sublinhando a relação continuada e a proximidade, mas queixam-se da espera para marcar consulta e da dificuldade em contactar os centros de saúde.
Recurso a privado
Mais de um quarto dos inquiridos (28%) admite recorrer aos hospitais privados.
71% dos portugueses
consideram que o financiamento da Saúde é "insuficiente", enquanto 28% entendem ser justo. Para 1% é "excessivo". Seis em cada dez inquiridos veem a contratação de mais médicos e profissionais de saúde como a maior prioridade.