Cadeia de Leiria inaugura uma loja para vender os produtos que são cultivados nos terrenos da prisão e também de outros estabelecimentos.
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Ao volante do trator, António saboreia o contacto com o ar livre. Fora da cela, a tratar da vinha ou da horta, sente-se um pouco mais próximo da liberdade. É também a oportunidade de reviver outros tempos. Os tempos em que, ainda livre, trabalhou na agricultura no seu Alentejo natal, de onde trouxe alguns conhecimentos que lhe têm sido úteis no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens (EPLJ) e que, sob coordenação do guarda Camás, vai transmitindo aos elementos da brigada agrícola da prisão.
São reclusos que estão já em regime aberto e que têm na atividade da horta um "contributo" para preparar o regresso à liberdade. "Dá-lhes ocupação laboral, formação profissional e ajuda a criar hábitos de trabalho", salienta Joana Patuleia, diretora da cadeia, que nos guia pela futura loja da prisão. Construído no exterior da cadeia, ao lado da portaria, o espaço irá vender produtos hortícolas cultivados pelos presos em mais de 1400 metros de estufas.
A loja, cujo funcionamento será assegurado por um recluso com o apoio de um funcionário prisional, irá também comercializar o vinho produzido na cadeia (ler texto ao lado) e artigos provenientes de outros estabelecimentos prisionais, como mel, frutos secos, azeite ou artigos de têxtil.
Encomendar online
"Não vamos ter tudo em exposição ou em stock, mas as pessoas podem encomendar online e levantar aqui", avança Estanislau Ramos, adjunto da Direção, revelando que a loja de Leiria servirá como "projeto-piloto", com o objetivo de abrir espaços semelhantes em outras cadeias. Já em 2017, o EPLJ tinha feito uma primeira experiência de venda ao público dos seus produtos agrícolas, na garagem da antiga casa do diretor. Mas a pandemia ditou o seu encerramento e a decisão de construir um espaço de raiz, com a execução a prolongar-se no tempo devido à covid-19.
Mas, a espera "valeu a pena", afiança a diretora no interior da loja, onde já só faltam as prateleiras. No exterior, Miguel e Leandro, que integram a brigada agrícola, terminam o corte e limpeza das ervas, antes de rumarem às estufas, onde há legumes à espera de serem mondados ou colhidos, para entregar à clientela habitual, constituída por funcionários da prisão e pessoas da comunidade.
Uma parte da produção é doada ao Banco Alimentar de Leiria, no âmbito do projeto hortas solidárias. Só no último ano, saíram dos terrenos da prisão perto de 23 toneladas de hortícolas, cultivadas pelos presos e distribuídas por instituições sociais. É, frisa a diretora, também uma forma de "sensibilizar" os reclusos para "a solidariedade e para a cidadania".
"Dá mais gosto trabalhar assim, porque estamos a ajudar quem precisa", diz Miguel Teles, de 23 anos, que, até entrar na prisão, nunca tinha pegado numa enxada ou plantado uma alface. Hoje, é um trabalhador dedicado e até já se sente capaz de criar uma horta. Ao lado, Leandro Alexandre, de 25 anos, admite que "não é um trabalho de sonho", mas que "dá para distrair", em contacto com a natureza, e para aprender. "Não sabemos o dia de amanhã. A experiência pode ajudar a arranjar emprego", acrescenta Miguel, confessando que o que mais gosta é de ver o crescimento das plantas. "É o fruto do nosso trabalho".
Inclusus, um vinho que promove a inclusão
Um dos produtos que estarão à venda na loja da prisão de Leiria é o vinho Inclusus, um projeto desenvolvido entre o estabelecimento prisional e a AdegaMãe, de Torres Vedras, sobretudo, com o objetivo de valorizar o trabalho dos reclusos e as suas competências profissionais. A parceria envolveu visitas à empresa, onde os reclusos tiveram sessões de formação em campo e na própria adega, em áreas como a vinificação, estabilização e conservação de vinho ou engarrafamento. "Foi uma grande mais-valia. Estamos a fazer todos os esforços para renovar a parceria", avança Joana Patuleia, diretora do Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens. A produção de vinho é uma tradição antiga nesta prisão, onde o vinhedo ocupa cerca de seis hectares, certificados em modo de produção integrada, produzindo, em média, 20 mil litros. A atividade vitivinícola envolve não só a brigada agrícola, mas também reclusos do curso de multimédia, que ajudam na área do marketing e que estão a trabalhar num rótulo para o Quinta Lagar d" El Rei, o outro vinho da prisão vendido apenas em box, que deverá passar a ser engarrafado. O EPLJ, que comemora 75 anos no dia 7 de abril, tem 46 hectares de área agrícola. Além da vinha e das hortícolas, há três hectares de olival e 14 hectares de produção de milho, feita por uma empresa em resultado de um acordo de utilização das parcelas.