Reguladora da Saúde incapaz de monitorizar atrasos para consultas e cirurgias
Cabe ao regulador garantir que a lei é cumprida, mas desde 2017, só abriu quatro processos por incumprimento.
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Constrangimentos "significativos"nos sistemas de informação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) relacionados com o "registo fidedigno da atividade" não estão a permitir à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) fazer uma monitorização do cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos fixados na lei. Ao JN, a ERS explicou que os dados possíveis de extrair impossibilitam "uma avaliação completa, rigorosa e não enviesada" dos tempos de espera. Desde 2017, o regulador abriu quatro processos contra hospitais por atrasos nos tempos de resposta. Todos tiveram origem em reclamações e "os indícios foram recolhidos a partir de situações de utentes concretos".
Confrontada pelo JN, a Administração Central do Sistema de Saúde garantiu que "as instituições do Serviço Nacional de Saúde já conseguem, através dos sistemas de informação locais, proceder à análise das suas listas de espera e tempos de resposta", permitindo obter "dados relevantes para avaliação do cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos dependendo, unicamente, da qualidade dos registos efetuados".
Mudanças prometidas
Ainda assim, a ACSS adiantou que, juntamente com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), tem "priorizado o desenvolvimento dos sistemas de informação de suporte aos fluxos de referenciação de doentes de modo a assegurar a monitorização" dos tempos de espera.
"Desde final de 2021, foram alocados mais recursos humanos ao desenvolvimento dos sistemas de informação, de forma a assegurar maior celeridade na sua implementação", garantiu a ACSS, prevendo que, até ao final deste ano, "a maioria das vertentes de referenciação se encontrem implementadas, em projeto-piloto ou já a nível nacional". Por outro lado, está ainda em desenvolvimento o BI-SIGA - um sistema de reporte de dados que "irá permitir trabalhar a informação relevante para obtenção dos indicadores relativos a todas as vertentes de referenciação, monitorizando os tempos de espera e os tempos de resposta associados às diversas referenciações".
"Conjunto de problemas"
Segundo o decreto-lei de 2014, cabe à ERS monitorizar o cumprimento dos tempos de espera. No entanto, no âmbito da sua intervenção regulatória, o regulador diz ter detetado "um conjunto de problemas e constrangimentos, relacionados com o registo fidedigno da atividade que impacta no controlo e monitorização do cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos".
Segundo o regulador, os "constrangimentos foram transmitidos e reconhecidos pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde à ERS, no âmbito das diligências" realizadas. Nos cuidados de saúde primários, a ERS dá como exemplo a "existência de problemas relacionados com os sistemas de informação", que "impossibilitam a obtenção de dados fidedignos quanto ao número de pedidos de consultas pendentes, por não se efetuar o registo informático dos mesmos, nem a distinção das consultas agendadas para 15 dias úteis após a data do pedido, de acordo com os diferentes motivos". Nos hospitais também foram detetados "problemas relacionados com os sistemas de informação", nomeadamente nos sistemas informáticos de apoio ao acesso às primeiras consultas que "não operavam de forma centralizada e integrada com os demais sistemas em uso" (ler ficha).
"A monitorização, com recurso aos dados atualmente possíveis de extrair, não tem permitido fazer uma avaliação completa, rigorosa e não enviesada sobre o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos, motivo pelo qual não tem procedido a uma atuação regulatória acrescida (nomeadamente, a nível sancionatório)", revelou o regulador, que já emitiu recomendações a alertar para a necessidade de "medidas adequadas à correção e otimização" dos sistemas.
Dados
Vários alertas
ERS emitiu uma recomendação ao Ministério da Saúde, à ACSS e aos SPMS para que os vários procedimentos sejam revistos de modo a garantir "o respeito pleno e rigoroso do quadro legal". Este ano, foi emitida outra aos prestadores de cuidados de saúde.
Processos
Desde 2017, ERS instaurou e tramitou três processos de contraordenação, por violação dos tempos de espera, que culminaram em duas multas e uma admoestação. Há outro processo em curso.
Falhas
Centros de saúde
ERS diz que problemas com os sistemas de informação impossibilitam a obtenção de dados fidedignos quanto ao número de pedidos de consultas pendentes, por não se efetuar o registo informático dos mesmos, nem a distinção das consultas agendadas para 15 dias úteis após a data do pedido.
Hospitais
O sistema de apoio ao acesso às primeiras consultas de especialidade hospitalar não opera de forma centralizada e integrada com os demais sistemas. Na primeira consulta, a ERS detetou que a informação "apenas permite o controlo do cumprimento dos tempos de resposta no caso das consultas registadas no sistema Consulta a Tempo e Horas (CTH). "As restantes (consultas intra-hospitalares) registadas no Sistema Integrado de Informação Hospitalar não são passíveis de ser analisadas" por faltarem "campos fundamentais".
Oncologia
Foi ainda detetada a "impossibilidade de tipificação de patologia oncológica no CTH, e consequentemente, a aferição do cumprimento dos tempos de resposta para primeira consulta de doença oncológica".