António Costa aproveita demissão de dois secretários de Estado para fazer alterações na Economia e nas Finanças. Oposição fala em "caos" no Governo
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Em oito meses, já são sete as baixas no Governo de maioria absoluta de António Costa, fora os sucessivos casos polémicos envolvendo membros do Executivo. Na terça-feira, o primeiro-ministro demitiu dois secretários de Estado por "divergências de fundo" com o ministro da Economia. E fez mais mexidas, com impacto nas Finanças. A Oposição acusou, logo, o crescente "caos" em S. Bento. "Há uma série de turbulência em demasia", admitem politólogos, embora acreditem não ser suficiente para suscitar eleições antecipadas.
Segundo o JN apurou, o processo já estava em curso há vários dias, tendo António Costa informado o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que se manteve, na terça-feira, em silêncio. A minirremodelação deveria ter sido anunciada na quarta-feira, mas uma fuga de informação obrigou a que fosse antecipada. Começou com a confirmação de que o primeiro-ministro aceitou o afastamento dos secretários de Estado da Economia e do Turismo, João Neves e Rita Marques, devido a "divergências de fundo" com o ministro da Economia, António Costa Silva.
Os dois foram substituídos ainda na terça-feira: João Neves por Pedro Cilínio e Rita Marques (acusada, na semana passada, pelo Tribunal Arbitral, de "usurpação de poderes" no Bingo da Trindade) deu o lugar a Nuno Fazenda.
De seguida, o primeiro-ministro revelou que substituiu Miguel Alves pelo até então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. O irmão da ministra dos Assuntos Parlamentares, ao ser nomeado secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, vai passar a ter mais influência junto de António Costa e assento no Conselho de Ministros, apesar de não participar nem ter direito a voto.
Com a saída de Mendonça Mendes das Finanças, Fernando Medina reforçou a sua equipa e chamou Nuno Félix para os Assuntos Fiscais. Entrou também Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro e Nuno Mendes transitou para as Finanças. Os governantes tomam posse na sexta-feira, pelas 12 horas, no Palácio de Belém.
Desagregação e erosão
As mexidas no Governo não estão a ser vistas, porém, de forma pacífica. É que às duas demissões de terça-feira juntam-se as saídas de Marta Temido, de Miguel Alves e da secretária de Estado da Igualdade, Sara Abrantes Guerreiro. Acrescem os sucessivos casos polémicos num Governo de maioria absoluta (ver texto ao lado).
"Temos um Governo no caos, cada vez mais em erosão, e isso não é bom para Portugal", atirou, de imediato, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares.
"O Governo está em acelerado processo de desagregação, isso parece-me evidente", reforçou o líder do Chega, André Ventura. Já a IL acrescentou aos "sinais de desagregação absoluta" as situações de "descoordenação recorrentes". E a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, admitiu "preocupação".
Degeneração no poder
"Há uma série de turbulências em demasia. São muito casos e isso é preocupante. Já se brinca sobre qual será o próximo secretário de Estado a sair. Qualquer dia, o primeiro-ministro tem que ter um assessor só para esta matéria", concordou o professor universitário e investigador de ciência política José Adelino Maltez, embora acredite que a "degeneração" no poder não é suficiente para se prever eleições antecipadas.
"O cidadão comum preocupa-se é com as políticas, com a carteira", reforçou José Palmeira, professor da Universidade do Minho, admitindo que o PS poderá ser penalizado só dentro de quatro anos. "Se o ciclo económico melhorar, isto pode ser uma espécie de ultrapassar o Cabo das Tormentas", justifica.
José Palmeira admite, porém, algum desgaste no Governo. "Isto mostra como é falsa a perspetiva de que, com maioria absoluta, é possível governar com tranquilidade", apontou o politólogo Viriato Soromenho Marques, lembrando os motivos da demissão de Pedro Santana Lopes pelo falecido presidente da República Jorge Sampaio.>
Casos
1 - Miguel Alves
O ex-presidente da Câmara de Caminha tomou posse a 16 de setembro como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e apresentou a demissão menos de dois meses depois, a 10 de novembro. Fez o pedido de resignação no mesmo dia em que soube que foi acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação, no âmbito da Operação Teia. Esteve no centro da polémica por ter alegadamente negociado e assinado, enquanto autarca de Caminha, um contrato de 300 mil euros de adiantamento em rendas a um empresário para a construção de um centro de exposições transfronteiriço. A obra nunca avançou.
2 - Marta Temido
Tida como uma das protagonistas da gestão da pandemia no Governo de Costa, Marta Temido pediu a demissão do cargo de ministra da Saúde, no final de agosto. O caos nas urgências de obstetrícia e ginecologia no verão, e sobretudo a morte de uma grávida, após ser transferida para o Hospital São Francisco Xavier, por haver falta de vagas na neonatologia do Hospital de Santa Maria, foi a "gota de água" para a então governante. Com a saída de Temido, que assumiu o lugar de deputada na bancada do PS, saíram também os seus dois secretários de Estado.
3 - Sérgio Figueiredo
O antigo jornalista e ex-diretor de informação de TVI renunciou ao cargo de consultor do ministro das Finanças, Fernando Medina, em meados de agosto. Sérgio Figueiredo não chegou sequer a assinar contrato. "Desisto. Ficou insuportável tanta agressividade e tamanha afronta, tantos insultos e insinuações", apontou. O também ex-administrador da Fundação EDP iria receber 5832 euros brutos por mês, um valor que seria acima do salário do próprio ministro das Finanças. A escolha de Sérgio Figueiredo, que chegou a ser comentador da TVI, por Fernando Medina foi muito criticada pelos partidos políticos.
4 - Maria do Céu Antunes
A polémica estalou entre a ministra da Agricultura e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), o que motivou várias reações e pedidos de demissão da governante. O caso ocorreu em agosto, quando Maria do Céu Antunes reagiu às críticas dos agricultores sobre a falta de resposta do Governo para ajudar a mitigar os efeitos da seca. Em Portimão, aos jornalistas, a ministra da Agricultura disse que seria "melhor perguntar porque é que, durante a campanha eleitoral, a própria CAP aconselhou os eleitores a não votar no Partido Socialista".>
5 - Pedro Nuno Santos
No final de junho, o primeiro-ministro revogou um despacho assinado pelo Ministério das Infraestruturas sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, que previa a construção de uma solução aeroportuária no Montijo e outra em Alcochete, e desautorizou Pedro Nuno Santos. António Costa alegou que o assunto teria de ser negociado com o PSD e que o presidente da República teria de ter a "informação prévia". O primeiro-ministro não terá tido conhecimento do despacho e foi apanhado de surpresa pela publicação do documento em Diário da República, enquanto estava numa cimeira da NATO, em Madrid.