"Doutores Palhaços" percorrem corredores da Pediatria do São João via Internet. Crianças riem e anseiam pela sua presença, ainda que remotamente.
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David larga o telemóvel e estica-se na cama, os pés para a cabeceira; esboça um sorriso de menino reguila. Tem o olhar doce iluminado pelas risadas que acabara de dar, uma e outra vez. Perde a vergonha e dispara: "sabe quando é que eles vêm outra vez?".
"Eles" são os "Doutores Palhaços", que acabavam de arrancar gargalhadas ao pequeno de cabelos dourados que cumpre hoje uma semana de internamento na Pediatria do Hospital de S. João, no Porto, por conta de uma obstrução na vesícula. O "doutor Paco" e a "doutora Francesinha" apresentaram-se na passada quinta-feira ao admirador de oito anos, logo rendido à graça de Margarida Fernandes e de Gilberto Oliveira, dois dos profissionais que dão vida à Operação Nariz Vermelho (ONV), a instituição que desde 2002 "receita alegria" às crianças hospitalizadas.
Ana Amorim, a mãe de David, também aplaudiu a iniciativa, que desconhecia. Conta que o filho "não queria que eles [palhaços] fossem embora", um advérbio que, em tempo de pandemia, perdeu o sentido literal. Ou, pelo menos, físico, já que, anteontem, "Paco" e "Francesinha" nunca estiveram presencialmente no internamento de Pediatria do S. João. Mas foram vistos e ouvidos graças ao mundo virtual, que tem permitido encurtar o distanciamento físico, e - como a imaginação não tem limites - "andaram" por quartos e enfermarias corporizados num suporte de soro, rostos plasmados no ecrã de um tablet e uma mochila com o "router" que liga ao Mundo, um conjunto que os educadores do hospital batizou de "E.T".
"Somos os braços e as pernas, compara a educadora Isabel Mota, do serviço educativo, um dos 13 que pelo país já acolhem o esforço de adaptação da ONV às restrições pandémicas, que lançou, no início de abril, o projeto "Palhaços na linha", a segunda resposta ao afastamento gerado pela crise sanitária, depois da TV ONV, no YouTube, sem a interação em tempo real.
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Encantada, os olhos claros vidrados de brilho, Rita sorria para o tablet de onde espreitavam os narizes vermelhos. Está desde o dia 11 no hospital, onde entrou em estado crítico, após um atropelamento violento, e a mãe, Ana Nogueira, garante que o momento com os "Palhaços na linha" "faz a diferença toda", e "é uma alegria". "Tem uma importância enorme, porque eles estão aqui o dia inteiro a receber tratamentos", e "estes pormenores fazem o dia ganho", confessa, ao ver que os pequenos "estão ansiosos pela chegada" dos palhaços. "Vem alegrar as crianças e os pais, porque estamos aqui horas, e parece uma eternidade", desabafa Mónica Jesus, mãe de Leandro, 14 anos. Recorda que "já tinha ouvido falar" do projeto". Partilha outra opinião de Ana Amorim, para quem uma presença física "tinha outro impacto".
Para os palhaços, é um desafio superado. "Foi uma surpresa ter dado tão certo", afirma Fernando Escrich. O diretor artístico da ONV fala numa "aprendizagem" dos profissionais, que "no ecrã têm outras possibilidades de interagir com as crianças", como "montar cenários em casa", o que dá "mais possibilidades de fazer magia".
Gilberto Oliveira, concordará: "é sacar das cartolas todas as possibilidades, que, dentro de casa, também são muitas e boas". "Dado o contexto, acho fantástico podermos interagir com os miúdos através deste meio", reconhece Margarida Fernandes.
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