Há uma revolução no mercado laboral que está a levar à criação de espaços de coworking em sítios inusitados, para acolher nómadas digitais e os que descobriram esta realidade com a pandemia.
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Quando, em 2010, Fernando Mendes, fundador do Coworklisboa e NOW Beato e docente em Design no IADE - Universidade Europeia, abriu o primeiro espaço de coworking -espaços profissionais partilhados-, já defendia que "o fenómeno estaria para ficar" pois a "força de trabalho flexível e independente estava em crescimento exponencial".
E nem a covid-19, que afastou muitos, a parece travar. "A pandemia interrompeu o crescimento, mas a expectativa é que regresse", diz Beatriz Silva, da Typographia, um cowork que abriu portas há seis anos no centro do Porto e que antes estava em franco crescimento, recebendo "residentes na cidade e estrangeiros de passagem".
"Mais e mais profissionais são aliciados para o trabalho à distância (remoto) ou para o nomadismo digital", assegura Fernando Mendes, sublinhando que empresas e colaboradores não devem confundir trabalho remoto com trabalho a partir de casa. "Com a distância do escritório tradicional, tem de vir a flexibilidade e liberdade de trabalhar de onde quisermos", observa.
Estes espaços "vão continuar a crescer e mesmo a contaminar outros espaços e instituições (cafés, livrarias, universidades, bancos, igrejas, etc.) que, mais cedo ou mais tarde, receberão quem também ali quer trabalhar", acrescenta Fernando Mendes.
Mas estas novas instalações não podem acontecer "por decreto". É preciso, diz, "construir, pessoa a pessoa, uma comunidade que alimente uma corrente contínua de eventos, colisões criativas entre pessoas e empresas, e algum tipo de impacte local, evitando a potencial gentrificação destes lugares do interior".
Um bom espaço de coworking "alimenta-se de abertura, diversidade, networking e comunidade ativa. Quatro pilares essenciais que não são replicáveis em casa", explica, lembrando que o isolamento físico e social que o trabalho em casa acarreta "está nos antípodas da vida social que se consegue num bom espaço de coworking".
Lígia Gomes, nómada digital, acredita que ter bons espaços de coworking pode ajudar a tornar Portugal mais aliciante para quem alia trabalho e viagens. "Tendo em conta a geografia e locais bonitos do país, o investimento nestes espaços em sítios interessantes pode ser uma mais-valia", levando "comunidades a ficarem mais tempo".
Este é um tipo de negócio "emergente", assegura. Depois da pandemia, esta jovem, que já trabalhou a partir da África do Sul e do Camboja, já recebeu pedidos de "ajuda" de pessoas "dizendo que as empresas querem que voltem ao escritório e elas já não querem".
Nas comunidades que acompanha, conta Lígia Gomes, há muitas pessoas que continuam a viajar, vários dos quais agora buscam "cidades mais pequenas, junto ao mar, locais onde sintam mais segurança devido à pandemia por não terem tanta aglomeração de pessoas".
O perfil dos nómadas digitais, que traçou para a sua tese de mestrado, aponta que a maioria são "pessoas no final dos 20 anos, início dos 30, que já trabalham há algum tempo" e conseguem gerir a distância por não terem muitos compromissos familiares.
Nos espaços de coworking, há muito mais ambição do que ter umas mesas e ligação à Internet. Os nómadas digitais procuram "ter uma comunidade com quem sair, jantar, partilhar hobbies, querem situações que promovam relações, conhecer pessoas e ter experiências diferentes".
Em termos físicos, alerta, é preciso que os coworks sejam bem planeados, incorporando, entre muitas outras coisas, salas para "reuniões online, que devem ser insonorizados para não incomodar outras pessoas e permitir confidencialidade".
O "AIRBNB DOS COWORKS"
Há novos espaços de coworking a surgir onde menos se espera. A Out Of Office, de José Luís Pinto Basto, um empreendedor português a residir em Miami, por exemplo, desenvolveu uma plataforma que permite trabalhar em restaurantes, bares e hotéis, criando uma rede de locais "próximos e inspiradores" para quem quer trabalhar remotamente mas sem ser em casa.
O conceito, que já existe nos EUA, funciona como o Airbnb: através do website, o utilizador pode reservar o espaço e paga apenas o tempo que lá estiver.
"O objetivo é apresentar soluções para o futuro do trabalho, que acreditamos passar por um modelo híbrido, em que uma pessoa vai ao escritório alguns dias por semana e nos outros pode trabalhar a partir de casa ou, neste caso, de um espaço à sua escolha", conta José. O modelo também ajuda a restauração e hotelaria, uma vez que "têm muita área que está subaproveitada", sublinha.
Um estudo da consultora BPrime, realizado no ano passado, dá conta que a tendência mundial de existirem espaços de coworking nos centros comerciais "poderá ser uma nova tendência no mercado português". Esta fórmula, dizem, "poderá impulsionar o segmento do retalho, que tem sido muito penalizado neste novo contexto, para além de ser uma forma de reter potenciais consumidores, num determinado local".
Em Torres Novas, a incubadora municipal encontrou neste modelo uma forma de ajudar empreendedores. Os espaços de coworking que possui são importantes para "quem está em fase de pré-incubação e ainda não tem o modelo de negócio desenvolvido, mas precisa de um espaço no qual possa trabalhar diariamente e ter acompanhamento técnico especializado", conta Helena Caetano, técnica responsável pela incubadora. Para quem não está incubado, existe um Business Spot, que durante a pandemia atraiu uma dezena de nómadas digitais e novos públicos.