"Bebé-milagre", filha de portadores de doença rara, nasceu saudável após calvário dos pais para salvar irmã doente, que morreu com dez anos.
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A probabilidade de uma criança, filha de dois portadores de anemia de Fanconi (AF), nascer saudável, é de apenas 25%. Se a isto se somar a que a mãe tem 44 anos, sofreu quatro abortos e perdeu uma primeira filha com aquela doença rara, após ter passado os últimos dez anos numa luta inglória para a salvar, as chances andam perto do "milagre".
É assim que o casal Noémia Ribeiro e António Gouveia, de Baguim do Monte, Gondomar, encara o nascimento de Rosarinho. A bebé agora com três meses, veio ao Mundo precisamente um ano depois da morte da irmã Renata, fintando a genética e também a descrença e o medo dos pais. Para a investigadora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e diretora da Associação Portuguesa para a Investigação da Anemia de Fanconi (PFARN), Beatriz Porto, chamar "bebé-milagre" a Rosarinho faz sentido, após o "azar absoluto" que foi o encontro dos pais, ambos portadores sem o saber.
Consanguinidade
"É uma doença genética raríssima e o risco de dois elementos do casal, sem qualquer ligação familiar, terem o gene é baixíssimo. Normalmente, o risco é maior quando há consanguinidade", explica a especialista, que diagnosticou e acompanhou o caso da primeira filha do casal a partir dos quatro anos. De acordo com Beatriz Porto, Renata foi um dos "65 casos diagnosticados em Portugal entre 1992 e 2021", sendo que a esperança média de vida dos doentes é de 20 a 25 anos, graças a transplantes de medula (doença provoca falência da medula óssea). Antes era de 12 anos".
Renata nasceu em abril de 2010 e morreu no mesmo mês, em 2020, após múltiplas e sucessivas complicações derivadas da doença. "Nasceu com problemas no intestino, detetados ainda durante a gravidez. Foi operada à nascença. Tinha obstrução intestinal. O pâncreas estava em cima do intestino", recorda a mãe, referindo que "o primeiro ano de vida foi o único em que Renata viveu aparentemente saudável".
Sucederam-se problemas gástricos, mais complicações, e a contração de um vírus e um transplante de medula em 2018, após a mãe ter engravidado quatro vezes, acompanhada pela "Genética" no Centro Materno-Infantil do Norte, na tentativa de ter um filho "compatível e sem a doença". Foi encontrado um dador, mas, apesar de transplantada, a menina que "tinha paixão por cavalos e unicórnios" e ficou conhecida por "distribuir bolos [feitos pela mãe] na enfermaria do IPO", não sobreviveu.
A mãe diz que o nascimento de Rosarinho "tem a mão de Deus e da Renata".
A doença
Um por cada 300 mil
A anemia de Fanconi é uma doença genética hereditária rara (de um em cada 300 mil pessoas), de evolução progressiva e que origina maior predisposição para o aparecimento de cancro, principalmente leucemia. Manifesta-se em idade pediátrica.
Falência medular
A maior dos doentes com AF desenvolve falência medular ainda em idade pediátrica. Por volta dos 10 anos, grande parte dos doentes desenvolve anemias, episódios infeciosos e hemorregias, de forma persistente e severa.
Cura
Segundo a investigadora do ICBAS e diretora da Associação Portuguesa para a Investigação da Anemia de Fanconi (PFARN), Beatriz Porto, a "única forma de cura [para a AF] é, até ao mesmo, o transplante de medula ósseo".
Malformação
Frequentemente os doentes AF apresentam malformações congénitas que afetam, de forma muito variada, diferentes órgãos e sistemas. As mais frequentes são baixa estatura, anomalias esqueléticas a nível dos polegares e manchas de hiperpigmentação cutânea.
Cancro
Os doentes AF têm uma elevada predisposição para o cancro. Principalmente leucemia, em idade pediátricas, e tumores da cabeça e pescoço, em idade adulta. A probabilidade de sobrevivência não ultrapassa atualmente "os 20 a 25 anos", após transplante de medula.
Pedido de Renata
"O sonho comanda a vida"
Renata, que morreu a 19 dias de cumprir 10 anos, ficou conhecida, entre os profissionais de saúde que a cuidaram pela sua alegria e por "distribuir bolos [feitos pela mãe] na enfermaria do Instituto Português de Oncologia do Porto". E deixou um sonho para os pais cumprirem: Abrir uma loja de cupcakes, decorados com as cores do sonho e a magia dos unicórnios. A sua vontade foi feita. "O sonho comanda a vida by Chef Nomi", abriu em Matosinhos, em julho de 2020, cerca de três meses depois de a menina ter partido. A mãe continua a fabricar bolos.