Rui Tavares: "Que ninguém venha tratar o Livre como se fosse filho de um deus menor"
Na entrevista JN/TSF deste domingo, Rui Tavares justifica a candidatura do Livre às presidenciais com a responsabilidade que o porta-voz diz recair sobre "o maior partido à Esquerda do PS" e não fecha a porta à corrida a Belém.
Corpo do artigo
Esta semana, o deputado Jorge Pinto manifestou a intenção de avançar com uma candidatura presidencial. É a prova de que fracassou a ideia do Livre de uma candidatura única no campo da Esquerda?
Eu creio que o Jorge tem um gesto de uma grande generosidade e de uma grande coragem também, que nos dá aquela nota - é nestes momentos, muitas vezes, que as personalidades políticas se definem -, de que temos alguém capaz de dar ao país um gesto republicano e, portanto, temos um quadro político muito bom, eu já o sabia, ele esteve no Livre desde o início.
Foi o próprio Rui Tavares a sugerir que houvesse uma união da Esquerda à volta de uma única candidatura.
O que eu disse sempre foi que não seria tão interessante cada partido ter uma candidatura partidária. E que seria muito importante, nestas eleições, também no momento, no contexto político em que estamos, que uma personalidade independente pudesse surgir e ser mais agregadora a transcender as fronteiras dos partidos. E não desdisse o que disse todo este tempo. Não só o disse, como tentei estimular o debate público e para lá do debate público. O Livre é, neste momento, o maior partido à Esquerda do PS e, portanto, tem um papel e uma responsabilidade particular a desempenhar. No cenário que está é preciso tomar decisões, é preciso não deixar sem representação um campo que é um campo progressista, um campo da ecologia, um campo de um europeísmo de Esquerda que é vigoroso, que é crítico daquilo que a União Europeia faz de mal, mas que acredita no projeto europeu e que não está representado.
Se as estruturas do Livre ainda não se pronunciaram, como pode garantir que Jorge Pinto tem o respaldo do Livre como partido e não é apenas o candidato da Direção?
Eu fiz uma descrição daquilo que é a minha apreciação, que é também evidentemente tingida por um plano pessoal de conhecimento do Jorge Pinto. E essa pergunta remete-me para um papel, que é o meu papel como coporta-voz do partido. Qualquer partido tem de demonstrar saber responder aos tempos da política. Às vezes os tempos são vagarosos, permitem-nos demorar muito tempo a refletir. E, aliás, durante muito tempo foi assim com as eleições presidenciais, só que elas foram entrecortadas por uma crise política e uma crise autárquica a seguir. O Livre respeitou esses tempos, respeitou os tempos da sociedade civil e disse sempre: a seguir às autárquicas faremos um debate interno e tomaremos a nossa decisão. Teremos um papel a desempenhar. Também dissemos claramente que ninguém venha excluir o Livre por antecipação ou tratar o Livre como se fosse filho de um deus menor.
"Estamos a precisar muito de ter uma nova geração de lideranças jovens, de lideranças locais"
O Livre vai, no prazo curto que existe, que não é um prazo que nós inventámos, é aquele que a história política, nossa contemporânea, nos deu agora, ter de tomar uma decisão rápida. E isso implica fazer o nosso debate, para o qual estamos perfeitamente capacitados. Foi enviada uma proposta, da Direção do partido, para a Assembleia do partido com o calendário para o debate e a realização de uma consulta interna. Isso vai ser discutido, essa metodologia vai ser deliberada pela Assembleia do próprio Livre. Em breve saberemos, então, se o Livre dá o seu endosso a este gesto do Jorge Pinto. Evidentemente que não é preciso imaginar muito para ver onde me posiciono e o que é que eu acho da candidatura, porque já o disse.

Foto: Pedro Gomes Almeida
E o facto de o Rui Tavares, cofundador do Livre, já ter declarado o apoio a Jorge Pinto não condiciona o espírito da discussão interna?
Eu fiz os maiores elogios ao Jorge Pinto porque acho que ele os merece. Eu acho que o Livre, que tem uma tradição, inclusive, de fazer primárias, que não é o caso, porque em presidenciais não são primárias internas do partido que se fazem, uma vez que o candidato não é um candidato especificamente do partido. O Livre não tem um comité central que apresente o candidato num palco da sede do partido e que diga: aqui está. Não é assim que um partido de uma Esquerda libertária como é a nossa age, portanto, isto parte de uma vontade de iniciativa individual. Quando ela aparece, e quando é de alguém da qualidade do Jorge, eu sinto-me no dever de elogiar. Mas isso, fiquemos descansados, que nunca condiciona nem condicionará qualquer debate dentro do Livre.
Houve uma tentativa por parte do Livre de contactar a candidatura de António José Seguro para saber se haveria a tal abertura para a convergência e para que a Esquerda não fosse a tal máquina, como já disse, de perder eleições presidenciais?
Devo dizer várias coisas. A primeira é que tenho respeito por António José Seguro e tenho estima por ele, e que temos contactos pessoais que não são muito frequentes, mas que ocorreram sempre num ambiente de grande cordialidade. António José Seguro hoje, na maneira como se posiciona, em relação a Passos Coelho, em relação a André Ventura, em relação a uma ausência de debate sobre uma possível mudança da Constituição, tem uma posição que é respeitável, que é a sua, que certamente vê como estando certa, mas que não é aquela em que eu me revejo, eu acredito que grande parte da Esquerda não se revê, e muito para lá do Livre acho que grande parte da Esquerda socialista não se revê nessa posição, e isso é aquilo que vai enriquecer o debate. Se por acaso resultar do debate que as pessoas aproximem posições, que reconheçam que há posições melhores, bem, isso é ótimo, isso é próprio do debate, isso é a razão por que nós temos de estar presentes nesse debate.

Foto: Pedro Gomes Almeida
E quem é que tem de dar esse passo de aproximação? António José Seguro aproximar-se mais dessa plataforma que disse que esteve na base da geringonça, por exemplo?
Bem, hoje em dia os temas são outros, mas são igualmente ou até mais relevantes, porque nessa altura tínhamos uma crise económica, social e financeira, tinha origem orçamental, mas já era muito mais do que isso. Hoje o problema é se a própria democracia, se o próprio regime, se a própria República tem futuro à sua frente ou não. Nós temos um candidato, por exemplo, que é o candidato André Ventura, eu nem preciso dizer a quê, não é mais ou menos a tudo, e, portanto, a isto também. Candidato mais ou menos permanente, a passar em permanência, em rotação contínua no nosso país, toda a gente vive dentro daquele psicodrama, e ele diz claramente que é preciso acabar com o regime e fazer outro. E sabemos que há dois terços na Assembleia da República para mudar a Constituição. E que há muita vontade de o fazer. Cada vez que a Direita faz uma medida e a bola bate na trave da Constituição, querem mudar a Constituição. E eu, por exemplo, não vejo no debate presidencial, e acho que é muito importante que isso faça parte, dizer-se qual é o papel de um presidente se o Parlamento decidir mudar profundamente a Constituição a ponto de mudar o regime.
"Cada vez que a Direita faz uma medida e a bola bate na trave da Constituição, querem mudar a Constituição"
O Rui Tavares não ponderou avançar como candidato, sendo a figura mais emblemática e fundacional do partido?
Eu disse aqui, lembro que foi numa entrevista também convosco, que não estava a considerar ser candidato, não estava a refletir sobre ser candidato, não abria nem fechava a porta a ser candidato porque não havia exatamente essa porta, essa reflexão. Não é a minha vontade porque, precisamente, eu acho que a ética da liderança à Esquerda tem de ser muito distinta da estética da liderança na Direita e na extrema-direita. Ela não é narcísica. Ela não é autoritária. Ela não obriga ninguém a ter um retrato seu no gabinete, não é? Não estou aqui para saturar as pessoas. Aquilo que me dá mais gosto em ter fundado este partido, que era uma coisa que não estava à espera de ser um dos fundadores deste partido, é a possibilidade de deixar escola. Nós estamos a precisar muito de ter uma nova geração de lideranças jovens, de lideranças locais.
Tendo em conta a fragmentação política que existe nesta altura, faz sentido colocar em cima da mesa a questão da possibilidade de alterar os poderes do presidente da República, através obviamente de uma revisão constitucional?
Durante as presidenciais, é muito difícil estar a falar de alterar os poderes presidenciais por uma boa razão. O presidente não altera os seus próprios poderes. O presidente ou a presidente interpreta os poderes da maneira como terá explicado aos cidadãos durante a campanha presidencial. Quem tem o único poder de alterar os poderes do presidente é a Assembleia da República durante um processo de revisão constitucional.

Foto: Pedro Gomes Almeida
O Livre passou nestas autárquicas de oito para mais de 50 eleitos, mas este resultado não espelha ainda uma dificuldade de implantação no terreno, quando comparado, por exemplo, com os três presidentes de Câmara eleitos pelo Chega e os mais de cem eleitos?
Acho que se me pede para fazer a comparação com o Chega é uma comparação que nos favorece muitíssimo. Porque se nós tivéssemos tido 35 entrevistas exclusivas nos canais de televisão e depois nos apresentássemos com a miséria de três câmaras, eu tinha vergonha e acho que é um fracasso para André Ventura. Nas legislativas de 18 de maio, o Chega aumentou 25% dos votos, nós aumentámos 30%, eles aumentaram 10% dos deputados, nós aumentámos 50% dos deputados, mas com muito menos destaque que temos, termos passado de oito eleitos para 66 mandatos, parece-me que é um ótimo resultado.
"Manuel Pizarro seria hoje presidente da Câmara do Porto. No diálogo que teve com o Livre, não demonstrou levar a sério esse diálogo"
Duas das grandes apostas do Livre eram as coligações em Lisboa e em Sintra. O que é que falhou em Lisboa? Mesmo juntando o Bloco de Esquerda e PAN ao entendimento PS/Livre, houve menos um vereador.
Bem, falhou a matemática, não se pode falhar em matemática em eleições, ela é muito clara. Uma convergência de toda a Esquerda teria ganhado a Câmara, nós dissemos claramente. Parece que há muito ruído, muita interpretação, muito viés feito em torno de uma coisa que é muito simples: em eleições autárquicas ganha quem tem um voto a mais. Em Lisboa, tínhamos todos a obrigação de saber isso porque quatro anos antes foi assim que Carlos Moedas ganhou.
E no Porto, Manuel Pizarro tem motivos para estar arrependido de ter rejeitado uma coligação com o Livre, tendo em conta que os cerca de 3800 votos podiam ter feito a diferença?
Manuel Pizarro seria hoje presidente da Câmara Municipal do Porto. Manuel Pizarro, no diálogo que teve com o Livre, não demonstrou levar a sério esse diálogo. Nunca chegou a propor uma coligação, nunca chegou a propor a sério um programa que fosse construído conjuntamente e aí é que está a vantagem do Livre ser um partido que não trata tudo por igual e não dá uma chapa cinco, não é, não vamos em coligação em lado nenhum ou vamos em coligação em todo lado.
