Atividades humanas, como o ruído de barcos, estão a condicionar a capacidade de reprodução e desenvolvimento de espécies marinhas, como o xarroco. Estas são as conclusões de dois artigos científicos de investigadores das Universidades de Lisboa, do Algarve e do Instituto Politécnico de Leiria, que foram publicados na revista "Science of The Total Environment", da Elsevier.
Corpo do artigo
Debaixo de água, o som pode ser muito importante para os animais obterem informação do ambiente e também para comunicarem. Muitos peixes produzem sons em interações sociais, principalmente durante a época de reprodução. É o caso do xarroco (Halobatrachus didactylus), um peixe comum no estuário do Tejo.
No entanto, o ruído produzido por atividades humanas domina cada vez mais a paisagem acústica dos oceanos e águas costeiras, podendo impactar os organismos marinhos, o que levou os investigadores portugueses a estudar o efeito do ruído dos barcos nos xarrocos.
Mediante o uso de altifalantes para simular a presença de barcos, os investigadores estudaram o comportamento dos machos de xarroco que se reproduzem na zona da Base Aérea do Montijo, nas margens do Tejo. A razão para a escolha desta espécie deve-se ao facto de ser um bom modelo para a comunicação acústica nos peixes, uma vez que os machos "cantam" para atrair as fêmeas para os seus ninhos.
"Em cada ninho monitorizou-se as vocalizações produzidas pelos machos e, ao fim de 15 dias de exposição ao ruído de barcos, avaliou-se o estado dos machos usando diversos biomarcadores bem como o seu sucesso reprodutor", refere Clara Amorim, investigadora principal do projeto "FishNoise".
Estudos pioneiros na área da poluição
Os investigadores observaram múltiplos efeitos do ruído dos barcos. "Primeiramente observou-se que os machos 'cantam' significativamente menos em locais com presença de ruído de barcos", explica Manuel Vieira, co-autor dos estudos, a desenvolver o seu doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais - cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências Ulisboa).
Sara Novais, investigadora do MARE-IPLeiria (Politécnico de Leiria), acrescenta: "os machos expostos a ruído também mostram alterações no metabolismo e em indicadores de stress", acrescenta a investigadora do MARE-IPLeiria, que explica como as alterações observadas são consistentes com uma reação de stress crónico.
Além destes riscos, os investigadores descobriram que os machos xarroco expostos a ruído têm menos 25% de probabilidade de ter ovos. De acordo com Clara Amorim, os resultados demonstram que "o ruído dos barcos pode afetar não só os peixes em si, como a sua capacidade de deixarem descendência". Estes estudos foram dos primeiros a serem realizados na natureza e apontam para a necessidade de monitorização e gestão deste tipo de poluição do meio aquático.