Fundamental no processo de desinstitucionalização, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) de Saúde Mental está por cumprir. Para 2020, as metas definiam a criação de 1500 lugares para adultos e 500 para crianças. Fechado o ano, aquele valor não chegava a um quinto, com 378 lugares. O novo fôlego virá do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com a criação de mil novos lugares, até 2025, e mais cem no apoio domiciliário, até 2023, precisou o Ministério da Saúde ao JN.
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O alargamento da RNCCI à Saúde Mental foi lançado em 2010, mas esteve sete anos parado. As primeiras experiências-piloto arrancaram em 2017, com 189 lugares. No ano passado, término dos projetos-piloto, contavam-se 378 respostas, 31% das quais no Norte e 22% em Lisboa e Vale do Tejo. A totalidade da oferta estava contratualizada pelos ministérios da Saúde e Segurança Social com o setor social e solidário.
De acordo com o relatório de acesso da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), no final do ano transato estavam 61 utentes a aguardar vaga, 61% dos quais em Lisboa e Vale do Tejo e um terço no Norte. Com a demora média a impedir a entrada de novos utentes. Nomeadamente, nas residências de apoio máximo ao adulto, com um tempo médio, no ano passado, de 2,7 anos.
O que explica que, a 30 de junho de 2020, tenham sido apenas admitidos 30 novos utentes. Isto porque, lê-se no Relatório das Experiências-piloto de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental, a percentagem de transitados de 2019 subiu para os 89,5%. Sendo que, nas residências de apoio máximo e moderado, não houve qualquer entrada. Tudo somado, no ano passado foram assistidos 385 utentes (mais 16,3%).
Dados que, sublinham, "indiciam uma tendência de institucionalização dos utentes nas tipologias de saúde mental da RNCCI". Na rede geral, a percentagem de transitados havia sido de 43,2%. De referir, ainda, que a larga maioria dos utentes (87,5%) é referenciada pelos hospitais e apenas 6% pelos Cuidados de Saúde Primários (ler entrevista).
470 lugares contratualizados
O fôlego financeiro para a sua efetivação virá, então, do PRR, que aloca 85 milhões de euros à Saúde Mental. Questionado, o gabinete de Marta Temido fez saber que, para "colmatar os défice de cobertura atualmente existentes no país", foram definidas novas metas no PRR tendo em vista o alargamento das respostas. A saber: "Ao nível das unidades residenciais e sócio-ocupacionais - mais mil até 2025 - e ao nível das equipas de apoio domiciliário - mais cem até 2023". Com o objetivo último, lê-se no PRR, de um "aumento progressivo do número de lugares, até atingir os 1500".
Até lá, o Governo contratualizou já para o triénio 2021-23, com o terceiro setor, 470 lugares, 87,4% dos quais para adultos e o remanescente para crianças. Por tipologia para adultos, contam-se 195 lugares em unidades sócio-ocupacionais, 68 em residências de apoio máximo e 56 em equipas de apoio domiciliário. Ao nível pediátrico, a oferta fica-se por Braga, Portalegre, Faro, Lisboa e Évora.
Corrigir assimetrias no país
Com a desigualdade e o acesso como lema do Dia Mundial da Saúde Mental, que hoje se assinala, ao diretor do programa nacional preocupa "uniformizar o mais possível as respostas no país e alargá-las". Para Miguel Xavier, há a "obrigação de tentar diminuir as assimetrias", com um "nível de desigualdade nos recursos que não é aceitável, tendo que ser corrigido" (ler entrevista ao lado).
Quanto aos cuidados continuados integrados, entende que os que estão contemplados no PRR "correspondem às necessidade do país". Da execução, diz que "houve um atraso enorme, que é conhecido e que tem que ser recuperado". Contudo, vinca que "não há reforma que se faça em três anos. Tem que se começar tudo e está tudo nos carris e a tempo".
O presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental, por sua vez, recorda ao JN que a "rede é uma das peças fundamentais para a desinstitucionalização". Acresce, vinca António Leuschner, "que são estruturas de baixo peso financeiro quando comparadas com outras estruturas". Porém, "não tem sido possível acompanhar a dimensão que se desejaria".
Entendendo também o psiquiatra que o facto da Direção-Geral da Saúde e do diretor do programa nacional "não terem poder executivo", faz com que as "metas sejam um pouco adiadas". Esperando que esta falha seja corrigida na revisão em curso da Lei da Saúde Mental. E se muito avançou já, "com serviços de saúde mental em todos os distritos", o certo é que urge apostar, entende António Leuschner, "na integração, proximidade e acesso". Porque "não adianta, depois, estar meio ano à espera de consulta".