Várias associações consideraram, esta manhã de terça-feira em audição parlamentar, que a nova lei da saúde mental secundariza a prevenção da doença mental e o papel de alguns profissionais de saúde, como psicólogos. Telma Almeida, diretora da AlertaMente - Associação Nacional para a Saúde Mental, disse que "se não atuarmos na prevenção, estamos a encher hospitais de gente".
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Associações nas áreas da saúde mental, serviço social, terapia ocupacional, entre outras que acompanham pessoas com problemas do foro psicológico, partilharam, esta manhã de terça-feira, as suas principais preocupações sobre a nova lei da saúde mental com os grupos parlamentares do PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal, Livre e PAN. Telma Almeida, diretora da AlertaMente, criticou a futura legislação por não integrar a prevenção da doença.
"A legislação deveria ser muito mais afeta a todos nós, na parte da prevenção, e não apenas a quem está doente. Enquanto não houver prevenção, estamos a encher hospitais de gente. Neste momento, é perfeitamente possível perceber que medidas estão a ser tomadas pelas empresas em relação à saúde mental", disse, acrescentando que "podemos ter os melhores hospitais e equipas multidisciplinares do mundo, mas se continuarmos a meter gente dentro dos hospitais, a nossa taxa de sucesso vai ser zero".
Uma preocupação partilhada por Ana Aresta, presidente da Associação Ilga, que considerou que a nova proposta de lei "secundariza as dimensões de prevenção e promoção da saúde e o papel dos psicólogos na prevenção". "Está sobretudo assente num modelo biomédico, na doença e na intervenção, através de internamento ou medicação, sendo relevante abordar também um modelo psicológico e psicoterapêutico", sugeriu.
"Via verde para situações traumáticas"
Elisabete Roldão, da Associação Portuguesa de Terapeutas Ocupacionais, também apelou à "prevenção efetiva", assim como à "redução dos tempos de resposta de internamento de consulta e tratamento" e à "desburocratização do sistema". Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), disse que "não podemos ter pessoas à espera por tempos indefinidos (por consultas ou outras respostas)" e que se deveria criar "uma via verde para situações com elevado potencial traumático".
"Muitas destas situações precisam de articulação direta com outras entidades. Seria pertinente equacionar-se a existência de um canal de comunicação que permitisse o encaminhamento em via verde destas situações da comunidade para o serviço de saúde mental mais próximo. Temos situações de intervenção em crise, com tentativas de suicídio, em que a segunda consulta de avaliação acontece daí a dois meses", referiu o psicólogo.
Sandra Matos, da associação FEM - Feministas em Movimento, defendeu que "é necessário haver uma linha aberta para respostas imediatas". "Já que conseguimos fazer o atendimento, que tenhamos capacidade de dar resposta. Senão uma mulher chega e ficamos na mesma. Partilhamos da angústia, mas não conseguimos fazer mais do que isso", exemplificou.
"Figura de confiança"
A forma como vai ser escolhida a figura da "pessoa de confiança", representante legal do doente mental introduzido na nova legislação, foi outra das inquietações referidas pelas entidades na audição parlamentar conjunta. Rivca Helhazar, da Associação dos Profissionais de Serviço Social, alertou para "a necessidade de acautelar estratégias de prevenção de abuso por parte das pessoas designadas como "pessoa de confiança" e do acesso destas a dados sensíveis de saúde" e Daniel Cotrim lembrou que "há algumas situações que podem colocar em risco o utente do serviço de saúde mental". O psicólogo da APAV chamou ainda a atenção para "a importância da decisão do tratamento involuntário no domicílio" quando se tratam de vítimas de violência doméstica que coabitam com o agressor.
José Sá Matos, da Confederação Nacional de Organizações de Pessoas com Deficiência e European Disability Forum lembrou que "os elevados tempos de espera para consultas" têm muito impacto nas pessoas com deficiência, o que leva a um sentimento de abandono que conduz à depressão". José Sá Matos considerou que "a nova lei deveria focar-se na integração de pessoas com deficiência mental na sociedade e operacionalizar a desinstitucionalização sempre que possível" e pediu um "reforço do investimento".
Carlos Dias Lopes, dirigente da Federação Nacional de Entidades de Reabilitação de Doentes Mentais, lamentou a "insuficiência dos recursos orçamentais" e "não estar prevista nenhuma estrutura de iniciativa pública". "O valor do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinado à saúde é de 1350 milhões de euros, mas destes apenas 88 milhões de euros são para a saúde mental. Destes 88 milhões, foram lançados concursos de 35 milhões e, desses, nenhum visa a comunidade. No que diz respeito às equipas comunitárias apenas foram lançados concursos para viaturas elétricas", criticou Carlos Dias Lopes, acrescentando que "a prestação de cuidados de saúde mental deve ser promovida prioritariamente a nível da comunidade numa perspetiva preventiva".