A seca ainda não é dramática no Nordeste Transmontano, mas já tira o sono aos agricultores e produtores de gado que antecipam um cenário de grandes dificuldades se continuar sem chover por mais duas ou três semanas.
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"Desde novembro que não cai uma pinga de água. As sementeiras que deviam ser feitas este mês não vingam com o tempo assim seco", explica Leonel Pires, proprietário de um rebanho de ovelhas, com mais 170 cabeças, em Rio Frio, no concelho de Bragança.
Esta é uma das zonas do país onde, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), já existem pontos de seca severa sem que haja previsões de chuva para fevereiro. Tem-se verificado um aumento significativo da área e da intensidade da situação, estando todo o território em seca, com 1% em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema.
O IPMA desenvolveu três potenciais cenários para fevereiro em relação ao índice PDSI (seca meteorológica), sendo que o que o mais provável, de acordo com as indicações de previsão de precipitação, será o cenário mais gravoso. A sul do Tejo aponta o cenário de seca extrema como dominante e a norte do Tejo a seca severa.
Leonel Pires sabe o que isso significa. "Os ribeiros e regatos estão secos. Não há água no monte. Para dar de beber aos animais o que me vale é um furo que tenho junto à corriça [curral], porque no pasto o gado já não encontra água. Se não fosse o furo morriam à sede", revela o pastor que anda a gastar o alimento que tinha armazenado para enfrentar o inverno.
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Não há erva para animais
"Todos os dias eu e a minha mulher levamos as ovelhas para o monte, para pastar. Só que não rapam nada, não há erva, porque não rebentou por causa da seca. Semeei uma terra ao pé do estábulo com cereal, que ainda está a nascer, mas já tenho que levar para lá os animais pastar de dois em dois dias. É um remedeio", acrescenta Leonel.
Pastor quase deste toda a vida, já enfrentou outros anos difíceis, por isso sabe que é fundamental racionar a alimentação do gado. "Temos que poupar as forragens e o feno, porque até haver outras ainda demora muitos meses. É essencial poupar para não sermos obrigados a comprar ração, fica muito cara. A venda dos animais não compensa a despesa. A única alternativa é as ovelhas comerem palha", sintetiza Antónia Pires, mulher de Leonel, que muitas vezes sai para o campo com o rebanho.
Na zona de Alfândega da Fé, onde houve uma aposta mais forte no regadio, Sílvio Remondes, tem 80 ovelhas, mas também já anda a racionar a alimentação do gado.
"É rezar para que chova"
"Não tem chovido. Há pouca água na terra, o que não é bom para as sementeiras. Já ando a gastar alimento que tinha guardado. Faça sol, chuva ou neve, tiro os animais do estábulo e levo-os a pastar no campo, mas agora praticamente não há erva", conta Sílvio, garantindo que os agricultores estão à espera de dias melhores. "É rezar para que acabe por chover um dia destes".
Também os produtores de vacas Mirandesas, uma raça autóctone das mais conhecidas e valorizadas do país, fazem contas à vida e não vislumbram tempos risonhos. Apesar de não haver ainda falhas de água para dar aos animais, se "continuar sem chover mais algumas semanas, vamos ter problemas de certeza e muito grandes". João Choupina, presidente da Associação de Criadores de Bovinos de Raça Mirandesa, antecipa um mau ano agrícola, o que compromete também 2023 no que respeita à armazenagem de alimento para o próximo inverno.
"Se não chove agora que é inverno, também não se pode esperar grande chuva na primavera e no verão. Há zonas que não têm água. Se não chover este mês vai ser uma catástrofe", acrescentou o produtor de gado, queixando-se que a seca junta-se a outras dificuldades.
"O gasóleo está mais caro, tal como o adubo, que triplicou o preço. Por causa da pandemia de covid-19, o preço da carne baixou de 5,50 euros para 2,25 euros. Não conseguimos fazer frente a tanta despesa. Já há quem fale em vender cabeças de gado", afirmou João Choupina.