Comerciantes de Paços de Ferreira dizem-se obrigados a abrir a torneira para atingir consumo mínimo mensal de mil litros.
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Os pequenos comerciantes do concelho de Paços de Ferreira veem-se obrigados a abrir as torneiras e a desperdiçar centenas de litros de água para pagar menos na fatura ao final do mês. Numa altura em que muito se tem falado da seca, este problema é antigo e recorrente, e advém do facto de o município ter definido um consumo mínimo mensal de água por utilizador de um metro cúbico, aplicando a tarifa máxima de saneamento (cerca de 40 euros) quando tal não se verifica.
Ricardo Martins tem um minimercado na rua de D. José de Lencastre há três anos e é um dos que habitualmente abre a torneira sem necessidade, para atingir o consumo mínimo e pagar menos na fatura. "Eu gasto 800 litros de água por mês e todos os meses tenho que lavar o passeio, para não ter que pagar o dobro", explicou, acrescentando que no primeiro mês desconhecia a situação e recebeu uma fatura de mais de 40 euros, quando agora, atingindo o consumo mínimo de mil litros, "ela é de pouco mais de 20 euros".
Para o comerciante, esta medida é "uma má política" e a solução passa por não se colocarem limites mínimos e cada utilizador pagar o que consome. "Na minha casa eu economizo água, faço tudo para poupar, mas chego aqui e tenho que desperdiçar água. Que exemplo dou ao meu filho, a quem peço em casa para poupar água e depois na loja ele vê-me a abrir a torneira sem ser necessário?", questionou.
Gastar mais para pagar menos
Na mesma rua, quase na porta ao lado, Marta Costa tem uma sapataria há quase 25 anos e confessa que há vários anos começou a abrir a torneira para atingir o consumo mínimo de água. "Nos últimos anos, temos que gastar o mínimo, porque se não pagamos uma taxa maior", referiu, explicando que pelo facto de ser um estabelecimento comercial, a utilização de água se resume à limpeza da loja e à água utilizada na casa de banho. "São situações que não nos obrigam a gastar tanta água como em casa e, por isso, temos muitas vezes que gastar, abrir a torneira e até lavar o passeio mais à vontade", referiu. "Deveríamos poupar água, pensar no ambiente e não fazer o contrário, deveríamos reduzir e gastar só o necessário. Mas neste caso, significa que se o fizermos vamos pagar mais", lamenta.
Arminda Cardoso também sabe que se abrir a torneira paga menos de água. Contudo, a dona de uma loja de lingerie na rua, recusa-se a essa prática. "Não faço isso, não abro a torneira para gastar água sem precisar. Mas depois isso reflete-se na fatura", referiu, discordando ainda que exista este valor mínimo de consumo, que leva as pessoas a desperdiçar água. "Tenho pena de deitar água fora", conclui.
Remunicipalizar
O problema da água arrasta-se desde 2004, altura em que foi assinado o contrato de concessão com a agora Águas de Paços de Ferreira, empresa que fez um pedido de reequilíbrio financeiro de 100 milhões, que está a ser apreciado por um tribunal arbitral.
Contactada pelo JN, a autarquia afirmou que desde 2017 houve uma redução no tarifário da água, estando o concelho "hoje abaixo da média nacional e é o mais baixo da região".
Relembrou o pedido de reequilíbrio financeiro e salientou que a única solução para o problema passa por "reverter a concessão para o domínio público e a Câmara passe a deter o poder de gerir a água e saneamento no concelho".
A Águas de Paços de Ferreira, por seu turno, esclareceu que "é obrigada, por lei, a aplicar o tarifário que é determinado pela Câmara".