Ofício enviado aos centros distritais aponta a redução de 120 mil para 90 mil beneficiários. Reavaliação trimestral dos casos será resposta. Governo diz que os necessitados são 110 mil.
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O Instituto da Segurança Social (ISS) deu indicações, no dia 20 de maio, aos diretores da Segurança Social de todo o país para informarem os técnicos que acompanham o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) que têm de reduzir o número de beneficiários de 120 mil para 90 mil. Questionado pelo JN, o Governo confirma que atualmente serão 110 mil as pessoas que cumprem os critérios e que o objetivo é continuar a reduzir. Contudo, há famílias carenciadas em lista de espera para receber cabazes alimentares.
O ofício enviado pelo ISS, a que o JN teve acesso, invoca a "evolução favorável da situação epidemiológica no nosso país, e a progressiva normalidade em geral" para que seja retomada a reavaliação trimestral dos destinatários do POAPMC, com o objetivo de reduzir o número de beneficiários "até ao limiar de 90 mil".
A intenção do Governo é recuar à fase anterior ao período mais crítico da pandemia de covid-19, em que os cabazes alimentares eram distribuídos a menos 30 mil pobres, embora aparentemente sem alterar os critérios definidos, que têm por base a avaliação da carência económica e alimentar.
O ISS parte do pressuposto que as pessoas mais carenciadas em Portugal diminuíram, quando as instituições que dão apoio a famílias desfavorecidas na área alimentar relatam o contrário. Para além disso, os preços dos bens essenciais têm vindo a agravar-se desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
"Excluídos sem motivo"
"O Governo não está minimamente preocupado com esta situação", acusa uma assistente social de uma instituição do distrito de Setúbal, onde as vagas para atribuição de apoio alimentar do POAPMC estão todas preenchidas. "No início da pandemia, quis mostrar que estava a apoiar quem mais necessitava e, de um momento para o outro, corta sem motivo, até porque agora os bens alimentares estão bastante mais caros".
A técnica revela que têm lista de espera de famílias carenciadas, que reúnem os critérios para receber os cabazes alimentares. "Mas, neste momento, não é possível integrar beneficiários, porque a plataforma não permite", explica. "Acompanho uma família, com várias crianças, que foi excluída do programa, e ainda não consegui perceber o motivo. A sorte é que o senhor faz biscates e consegue colocar comida na mesa".
Uma assistente social do distrito de Coimbra assegura ao JN que, este mês, houve uma "grande queda" no número de pessoas que recebiam cabazes alimentares. "Vamos tentando inserir novamente no sistema os beneficiários que vão ficando não elegíveis, porque o programa tem barrado apenas os que nunca usufruíram do mesmo", esclarece. Face ao que conhece do terreno, defende que a redução do apoio alimentar a 30 mil pessoas "não tem qualquer justificação".
Outro técnico de Leiria acredita que algumas pessoas mais vulneráveis desistiram do POAPMC porque os cabazes têm cada vez menos alimentos, pelo que deixou de se justificar pagarem um táxi para os irem levantar às instituições (ler texto ao lado). De qualquer forma, confirma que o sistema, que estará a ser atualizado, não permite introduzir novos beneficiários, desde o mês passado, apesar de haver lista de espera.
Contactado pelo JN, o Ministério da Segurança Social remeteu o pedido de informação para o ISS, que garante que vai ser mantido o apoio a todas as pessoas que cumpram os critérios definidos no âmbito do POAPMC. No entanto, assegura que "a reavaliação mais recente que foi feita apurou que [apenas] 110 mil pessoas reúnem condições".
"Face à evolução da situação epidemiológica e à progressiva normalidade das atividades em geral, o ISS prevê que gradualmente o número de beneficiários possa naturalmente reduzir", refere, tal como no ofício enviado às instituições. A reavaliação trimestral pretende verificar se as pessoas abrangidas mantêm os requisitos, nomeadamente se se encontram em situação de desemprego.
Cabazes cada vez mais vazios: dos 21 alimentos, só trazem oito
O Ministério da Segurança Social prometeu ir repondo gradualmente os alimentos em falta nos cabazes de alimentos do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC), em falta desde setembro. Contudo, à medida que os meses passam, os cortes sucedem-se. Em maio, dos 21 alimentos que integram o cabaz, as famílias carenciadas só receberam oito. Este mês, pelo que o JN conseguiu apurar, a situação deverá manter-se.
"Um dos principais fornecedores do cabaz do POAPMC, responsável pela entrega de vários produtos, não os entregou este mês [maio], como estava contratado, alegando alterações provocadas pela situação que se vive atualmente, fruto da instabilidade causada pela guerra", justifica fonte do Instituto da Segurança Social (ISS). "No entanto, existe o compromisso expresso deste fornecedor de repor os produtos em falta já no próximo mês".
Desde que o JN denunciou a situação, em fevereiro, o número de bens alimentares voltou a diminuir de 15 para 12 e, no mês passado, de 12 para oito, sem que seja dada qualquer explicação aos beneficiários do POAPMC, que se sentem cada vez mais abandonados e desesperados. "O ISS lamenta a situação e está a envidar todos os esforços para conseguir repor os produtos em falta com a máxima urgência".
Tendo em conta que o POAPMC é financiado pelo Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), o JN contactou a Comissão Europeia (CE), que disse estar a par da situação. "Tanto quanto é do conhecimento da CE, as lacunas na distribuição de certos produtos alimentares, referidas pelos meios de Comunicação Social, parecem estar principalmente relacionadas com atrasos nos processos de aquisição nacionais", explica um porta-voz.
Cartões eletrónicos
A CE esclarece, porém, que a taxa de execução financeira do programa FEAC em Portugal, monitorizada através de relatórios anuais, é de 77,4%, pelo que está "ligeiramente acima da média da União Europeia". Nesse sentido, não está prevista qualquer sanção a Portugal. "O regulamento do FEAC não considera a suspensão ou interrupção de pagamentos, devido a processos de aquisição falhados e, portanto, o estado-membro não pode ser penalizado".
Em vez disso, o porta-voz defende que devem ser abertos novos concursos públicos ou encontradas formas e meios alternativos de entrega dos bens. "Já em 2021, e tendo em conta as limitações existentes, Portugal e a CE trabalharam conjuntamente numa solução alternativa para assegurar a entrega segura e regular de bens aos mais vulneráveis através do desenvolvimento de cartões eletrónicos sociais". A sua adoção só está prevista a partir de outubro.