Presidente apenas revela se se recandidata a dois meses ou menos das eleições de janeiro. Politólogos ouvidos pelo JN dizem que estratégia o protege e analisam causas do descontentamento da Direita.
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A decisão sobre a recandidatura à Presidência da República seria revelada "no início de setembro" de 2020, dizia Marcelo Rebelo de Sousa há três anos. Daí para cá, o chefe de Estado foi adiando o prazo: primeiro para outubro, depois "lá para novembro" e, por fim, "finais de novembro, inícios de dezembro". Caso esta última previsão se confirme, será o anúncio feito com menor antecedência por um presidente desde Ramalho Eanes. Os politólogos ouvidos pelo JN consideram a estratégia benéfica para Marcelo.
O atual presidente "não precisa de visibilidade", diz André Freire, professor catedrático do ISCTE. "Enquanto que candidatos pouco conhecidos do grande público precisam de começar [a campanha] mais cedo", Marcelo pode atrasar o anúncio "até ao limite".
José Fontes, catedrático da Academia Militar, lembra que os chefes de Estado em funções tendem a protelar o anúncio da recandidatura, mesmo que já tenham decidido avançar. Dessa forma, argumenta, "estão mais protegidos, continuam no exercício do cargo e não são acusados de falta de imparcialidade". As presidenciais, recorde-se, serão em janeiro de 2021.
normalizou geringonça
Os dois politólogos divergem quanto ao fator André Ventura, candidato já confirmado. José Fontes considera que a hipótese de Marcelo se esquivar das críticas do líder do Chega e da "presidenciável" Ana Gomes pode ter contribuído para o adiar sucessivo do anúncio. Já André Freire, embora admitindo que Ventura pode causar "alguns incómodos" ao presidente, adianta: "não estou a ver Marcelo a pautar os seus timings" em função do deputado do Chega.
Mas, se a popularidade de Marcelo é tão alta - as sondagens dão-lhe resultados bem acima dos 60% -, como se explica que, à Direita, haja tantas alternativas? José Fontes afirma que a "facilidade" com que Marcelo consegue agradar a setores da Esquerda inquieta certas franjas do espectro oposto. Estas, diz, "não deixarão de votar no André Ventura".
André Freire avança uma explicação para este fenómeno. O politólogo recorda que, ao passo que Cavaco Silva, antecessor de Marcelo, "tentou, até ao limite, impedir" a solução da geringonça, o atual chefe de Estado aceitou-a "com toda a naturalidade".
Ao ter "normalizado" a "entrada da Esquerda radical na esfera da governação", prossegue Freire, Marcelo capitalizou à Esquerda, mas semeou "algumas reservas" à Direita. Isto é "um dado muitíssimo importante" e que faz parte do "legado" de Marcelo, reforça.
supera os 70% de soares?
Caso cumpra a decisão de revelar se se recandidata em "finais de novembro, inícios de dezembro", como disse ao "Expresso", Marcelo dará a notícia ao país com, no máximo, dois meses de antecedência. Entre os chefes de Estado, será o anúncio de candidatura feito mais "em cima da hora" desde o de Ramalho Eanes em 1976 (ler caixa).
E poderá Marcelo superar os 70% obtidos por Mário Soares em 1991? André Freire não arrisca previsões; José Fontes diz que o importante são os votos absolutos, porque as percentagens enganam. "Há quem diga que há três mentiras: a pequena, a grande e a estatística".
Eanes só avançou após a agitação política abrandar
Estávamos em maio de 1976, o 25 de novembro - que "travou" a revolução - tinha ocorrido há poucos meses e a nova Constituição acabava de entrar em vigor. Rodeado de jornalistas, em Lisboa, Ramalho Eanes anunciava a candidatura às presidenciais do mês seguinte. Disse ter esperado até que a situação política "se clarificasse" e que avançava por um país democrático "de uma vez para sempre". Este é, ainda hoje, o anúncio feito com menor antecedência por um candidato vencedor. Agora, o de Marcelo ficará perto.
Segredo mal guardado
José Fontes diz que é "evidente" que Marcelo se vai recandidatar. André Freire considera que se trata de "um segredo de polichinelo".
André Freire acredita que António Costa "lançou" a candidatura de Marcelo para impelir o PS a não apoiar ninguém. Lembra que o PSD fez o mesmo com Soares em 1991.
Outros candidatos
À Esquerda, BE e PCP ainda não anunciaram candidatos e Ana Gomes está "em reflexão". À Direita há Ventura, Tiago Mayan (Iniciativa Liberal) e Câmara Pereira (PPM). Bruno Fialho (PDR) também é candidato e Mesquita Nunes (CDS) foi hipótese.