Só este ano, já há registo de quase 400 casos de atropelamento com fuga, dos quais nove resultaram em morte. Fundo de Garantia Automóvel ressarciu 23 vítimas no primeiro semestre.
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O Estado indemnizou 551 vítimas de atropelamento com fuga ou os seus familiares, desde 2002 e até ao final do primeiro semestre deste ano. O valor ressarcido pelo Fundo de Garantia Automóvel chegou, para já, a 23 pessoas em 2022, tendo atingido o valor mais elevado em 2008, com 55 indemnizações. A quantia atribuída tem em conta os dias de internamento e o grau de incapacidade dos lesados. A GNR e a PSP registaram, este ano, 397 sinistros em que não foi possível responsabilizar o culpado. Houve nove mortes neste período, incluindo uma criança de nove anos. Lisboa, Porto, Braga e Faro são os distritos com o maior número de acidentes.
As vítimas ou os familiares (em caso de morte) podem ser indemnizadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, que apresenta uma proposta, quando o "responsável [do sinistro] é desconhecido". De acordo com a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que gere o fundo, o registo de 23 beneficiários pode não corresponder à totalidade de pessoas que, neste momento, estão a receber compensações, pois a ASF só acrescenta os beneficiários à lista final na data em que conclui os pagamentos. Isto significa que pode haver mais pessoas com o pagamento de indemnizações em curso (por exemplo, através da transferência de uma verba mensal), mas ainda não integraram a lista final da autoridade.
"Não há desfecho"
O número de acidentes relacionados com atropelamentos com fuga em 2022 - sendo que o ano ainda não terminou - não ultrapassa, para já, o ano inteiro de 2019 (510). Contudo, com 397 sinistros em que não foi possível identificar o condutor culpado pelas duas autoridades, já é possível observar uma tendência crescente, face aos dois últimos anos. No caso da PSP, que contabilizou os dados deste ano até 31 de outubro, houve 259 atropelamentos com fuga. Não muito longe dos 300 verificados em 2019 pela mesma força de segurança.
"Não é só o bater e fugir ["hit and run" que designa o atropelamento em fuga], mas o tempo de espera por ajuda [no pós-acidente] também causa muito sofrimento às famílias", aponta a psicóloga Fátima Pereira da Silva. A não responsabilização pelo sinistro, e em alguns casos pela morte das vítimas, não permite atenuar a perda. "Não há desfecho", diz. A especialista em segurança rodoviária refere que a "falta de prova" dificulta a resolução dos processos, sendo necessários "sistemas rápidos" de apoio aos lesados ou familiares.
Pelo menos nove pessoas morreram na sequência de um atropelamento com fuga, este ano. Os números totais das autoridades mostram um aumento face a 2019 e a 2020, períodos em que houve seis vítimas mortais (em cada ano), e a 2021, com cinco mortes associadas a este tipo de sinistros.
Alain Areal, diretor-geral da Prevenção Rodoviária Portuguesa, explica que os atropelamentos, com e sem fuga, estão "concentrados" nos idosos e nos jovens, por serem as faixas da população que "mais andam a pé". Geralmente, os mais velhos não conseguem sobreviver ao embate ou ficam com mazelas graves, aponta. Segundo a PSP, "a maioria das vítimas (mortais, feridos leves e graves) tem mais de 61 anos".
Casos
Janeiro
Uma mulher de 35 anos ficou ferida após ter sido atropelada numa freguesia de Santa Maria da Feira. O condutor colocou-se em fuga e a vítima foi transportada para o hospital. A ocorrência ficou a cargo da GNR.
Março
Um homem de 31 anos foi atropelado em Cabeceiras de Basto, depois de ter encostado a viatura a uma berma na EN205. A vítima ter-se-á debruçado sobre a roda do próprio carro, quando foi atingido por outro veículo, cujo condutor se colocou em fuga. Teve ferimentos ligeiros.
Abril
O atleta Francisco Laranjeira, de 23 anos, foi vítima de um atropelamento com fuga numa passadeira, em Évora, tendo ficado com uma perna partida. Falhou a participação nos Jogos Surdolímpicos, que decorreram em maio, no Brasil.
Abril
Uma mulher de 82 anos morreu na sequência de um atropelamento com fuga, no concelho de Soure, em Coimbra. A condutora fugiu do local do acidente, mas entregou-se mais tarde num posto da GNR.
Agosto
Um menino de nove anos morreu na passadeira, após ter sido colhido por um carro, em Oeiras. A criança estava acompanhada pela mãe. Foi transportado para o hospital com ferimentos graves e morreu no hospital. O condutor fugiu. A investigação está a cargo da PJ.
Novembro
Um rapaz de 14 anos foi atropelado junto a uma escola, em Paço de Arcos, no concelho de Oeiras. A vítima foi atingida pelo veículo na passadeira, tendo sido transportada para o hospital com ferimentos ligeiros. O condutor fugiu do local.
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O que é o FGA?
O Fundo de Garantia Automóvel (FGA) destina-se "ao cumprimento de obrigações indemnizatórias decorrentes de acidentes rodoviários" e é gerido pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Aplica-se a sinistros em que o responsável é desconhecido ou não tenha seguro válido ou em caso de insolvência da companhia de seguros do veículo causador do sinistro.
Como é financiado?
Cerca de 2,5% do prémio do seguro automóvel destinam-se ao FGA.
Há exclusões?
Sim. Caso o lesado (e condutor no momento do acidente) não tenha seguro automóvel, se os danos tiverem prescrito ou se os prejuízos tiverem sido feitos numa viatura furtada, aquele fundo não é aplicado.