António Costa reuniu-se, na manhã desta terça-feira, com o ministro das Infraestruturas, durante uma hora e meia. João Galamba saiu em silêncio de São Bento e, desde então, as horas têm passado sem que haja mais novidades. A demora do encontro entre primeiro-ministro e presidente da República - a reunião deverá começar às 17 horas - indicia que a remodelação iminente no Executivo poderá não se ficar pela substituição de Galamba.
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Depois da reunião com o primeiro-ministro, que acabou antes das 12 horas, João Galamba regressou ao ministério das Infraestruturas, de carro, ao lado do seu motorista. Embora tivesse vários jornalistas à porta à chegada ao ministério, manteve-se em silêncio, entrando no edifício pela garagem.
Após o encontro com Galamba e antes de seguir para Belém, António Costa esteve reunido com vários ministros. Segundo a RTP, entre eles contavam-se o ministro das Finanças, Fernando Medina, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, e o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
O primeiro-ministro preferiu ficar longe dos holofotes desde que, na sexta-feira, estalou o caso que envolve Galamba e o ex-adjunto deste, Frederico Pinheiro - um episódio que inclui acusações de mentiras, de agressões e de furto de um computador por parte do adjunto. Só esta segunda-feira à noite, de regresso ao país, é que Costa abordou o sucedido, em declarações à RTP.
Na ocasião, o chefe do Governo afirmou que o caso do roubo do portátil "nem a título de exceção é admissível". Embora tenha recusado revelar se iria ou não demitir Galamba, por querer primeiro falar com o ministro, reconheceu que a "credibilidade das instituições" saiu "afetada" com o episódio. Desde então, nada mais foi dito.
Marcelo abriu a porta à remodelação
Na segunda-feira, horas antes de Costa falar, o presidente da República já tinha aberto a porta a uma remodelação do Governo, ao considerar que o episódio em causa é uma matéria "muito sensível" e que deve ser tratada "discretamente".
"Em determinados temas particularmente sensíveis, o seu tratamento não é na praça pública", afirmou então Marcelo Rebelo de Sousa, numa intervenção marcada pela prudência. "São tratados, vão sendo tratados até ao momento em que se vê que foram tratados", reforçou.
No sábado, para evitar responder sobre o tema, Marcelo tinha garantido que Costa seria "a primeira pessoa" com quem iria discutir o episódio; na segunda-feira, questionado sobre se a conversa já tinha ocorrido, respondeu que não iria "estar a dizer "dia tal, horas tais"". E, sobre quando seria visível que o tema estivesse tratado, foi evasivo: "quando for, quando for", respondeu apenas.
Caso siga aquela que é a expectativa de Marcelo e substitua Galamba, Costa terá de comunicar a decisão ao chefe de Estado. A demora do arranque da reunião entre primeiro-ministro e presidente indicia que poderá estar em curso uma remodelação mais alargada, com Costa a aproveitar para substituir mais ministros de um Governo que, embora esteja em funções há pouco mais de um ano, tem sido desgastado devido a uma sucessão de "casos e casinhos".
Entre os ministros mais contestados está a titular da pasta da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, que protagoniza um braço-de-ferro já antigo com a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Os ministros das Finanças, Fernando Medina, e da Educação, João Costa, também têm vivido tempos atribulados, embora António Costa tenha vindo a defender a atuação de ambos.
Socialistas também pedem remodelação
A remodelação já é, aliás, defendida dentro do próprio PS. O presidente do partido, Carlos César, pediu "algum refrescamento" de nomes e a ex-ministra e deputada Alexandra Leitão apelou a que Costa faça um ""reset""(reinício). Vitalino Canas e Paulo Pedroso apoiaram igualmente uma remodelação.
Também a Oposição, com o PSD à cabeça, está a aumentar a pressão. No domingo, o líder do partido, Luís Montenegro, defendeu que o Governo "acabou", descrevendo-o como "o pior dos três" Executivos liderados por Costa. Se, em janeiro, os sociais-democratas se tinham abstido na moção de censura apresentada pela IL ao Governo, agora Montenegro diz-se preparado para ir a eleições.
Em contraste, o secretário-geral adjunto do PS, João Torres, criticou o líder do PSD por "fazer política com base em títulos de jornal", lembrando que a economia tem evoluído de forma favorável. O argumento, contudo, não comoveu Marcelo: "Pode haver alguma boa economia e isso não ser suficiente para haver boa política", afirmou o presidente na segunda-feira.
Remodelar para "desarmar" Marcelo, dizem politólogos
Ao JN, o politólogo Viriato Soromenho-Marques afirma que o primeiro-ministro está obrigado a remodelar o Governo caso queira evitar dar a Marcelo mais argumentos para dissolver o Parlamento. No entender do catedrático, a remodelação joga a favor do Executivo porque "desarma" o presidente: por muito que este possa ficar "insatisfeito" com os moldes em que ela ocorre, vê-se obrigado a aceitá-la, adiando uma eventual dissolução.
O politólogo José Adelino Maltez acredita que, embora as palavras do chefe de Estado não tenham sido "um ultimato" a Costa, Marcelo apontou-lhe o caminho da remodelação: "Não disse nada dizendo tudo", referiu, lembrando, contudo, que Costa "não costuma ceder" a estas pressões.
Soromenho-Marques refere que, para a remodelação dar novo ímpeto ao Governo, Costa tem de mostrar "capacidade de fazer o que não fez até aqui", indo buscar ministros mais longe do aparelho. Caso contrário, acredita que a dissolução "pode ocorrer ainda este ano", não sendo preciso esperar pelas eleições europeias de 2024.
Maltez não arrisca previsões, mas salienta que a política voltou a ser "palpitante": "As pessoas voltaram a mudar dos programas de futebol para os de política", ironiza.