O presidente da República diz que caso que envolve João Galamba é sensível e deve ser tratado de forma "discreta". Costa cancela agenda desta terça-feira em Paredes de Coura.
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O presidente da República abriu a porta, segunda-feira, a uma remodelação do Governo, ao considerar que o episódio entre o ministro das Infraestruturas e o ex-adjunto deste é uma matéria "muito sensível" e que deve ser tratada "discretamente". Marcelo Rebelo de Sousa foi evasivo sobre se já discutiu o caso com o primeiro-ministro e, ao que soube o JN, António Costa - que tem estado em silêncio - cancelou a agenda que tinha para esta manhã, no Minho. Numa altura em que o PSD já pede a queda do Governo, o lugar do ministro João Galamba pode estar em risco.
"Em determinados temas particularmente sensíveis, o seu tratamento não é na praça pública", afirmou o chefe de Estado, referindo-se ao caso do Ministério das Infraestruturas, que envolve acusações de mentira, agressões e furto. "São tratados, vão sendo tratados, até ao momento em que se vê que foram tratados", frisou.
Um dia antes, Marcelo tinha garantido que António Costa seria "a primeira pessoa" com quem iria discutir o episódio; ontem, questionado sobre se a conversa já tinha ocorrido, respondeu que não iria "estar a dizer "dia tal, horas tais"". E, sobre quando será visível que o tema está tratado, referiu apenas: "quando for, quando for".
"Socialistas pedem mudança"
António Costa, que tem estado em silêncio, fez saber, através do seu gabinete, que não foi informado do pedido de intervenção ao SIS para recuperar o computador alegadamente roubado pelo ex-adjunto de Galamba. O JN apurou que o primeiro-ministro cancelou a agenda que tinha para esta manhã, que incluía uma deslocação a Paredes de Coura.
Costa deveria iniciar hoje um périplo pelo Minho para, quinta-feira, presidir, em Braga, a uma sessão do Conselho de Ministros. Ao JN, fonte do gabinete do primeiro-ministro apenas indicou que avisará os jornalistas, caso haja novidades de agenda, não respondendo a questões sobre a remodelação.
A polémica nas Infraestruturas levou alguns socialistas a defender a remodelação do Governo. O presidente do PS, Carlos César, pediu um "refrescamento" e a ex-ministra e deputada Alexandra Leitão apelou a um "reset" (reinício). Vitalino Canas e Paulo Pedroso falam igualmente em remodelação.
Também o PSD está a aumentar a pressão. No domingo, o líder, Luís Montenegro, defendeu que o Governo "acabou", descreveu o atual Executivo como "o pior dos três" que Costa liderou e garantiu estar preparado para ir a eleições.
Em contraste, o secretário-geral-adjunto do PS, João Torres, criticou o líder do PSD por "fazer política com base em títulos de jornal", lembrando a boa evolução da economia. O argumento não comoveu Marcelo: "Pode haver alguma boa economia e isso não ser suficiente para haver boa política", afirmou, ontem, o presidente.
"Desarmar Marcelo"
Ao JN, o politólogo Viriato Soromenho-Marques afirma que o primeiro-ministro está obrigado a remodelar o Governo, caso queira evitar dar a Marcelo mais argumentos para dissolver o Parlamento. No entender do catedrático, a remodelação joga a favor do Executivo, porque "desarma" o presidente; por muito que este possa ficar "insatisfeito" com os moldes em que ela ocorre, vê-se obrigado a aceitá-la, adiando a eventual dissolução.
O politólogo José Adelino Maltez crê que, embora as palavras do chefe de Estado não tenham sido "um ultimato" a Costa, apontaram-lhe o caminho da remodelação: "Não disse nada, dizendo tudo", referiu, lembrando que Costa "não costuma ceder" a estas pressões.
Soromenho-Marques refere que, para a remodelação ser eficaz, Costa tem de mostrar "capacidade de fazer o que não fez até aqui", indo buscar ministros longe do aparelho. Caso contrário, acredita que a dissolução "pode ocorrer ainda este ano", não sendo preciso esperar pelas europeias de 2024. Maltez não arrisca previsões, mas salienta que a política voltou a ser "palpitante": "As pessoas voltaram a mudar dos programas de futebol para os de política", ironiza.
Todos os chefes de Estado desde 1974 dissolveram o Parlamento
Já houve oito dissoluções do Parlamento desde 1974, sendo que todos os presidentes eleitos utilizaram esse poder pelo menos uma vez. Ramalho Eanes fê-lo em três ocasiões (1979, 1983 e 1985), Mário Soares acionou esse poder uma vez (1987), Jorge Sampaio duas (2002 e 2004), Cavaco Silva uma (2011) e Marcelo outra (2021). Uma das mais emblemáticas foi a segunda de Sampaio, que afastou o primeiro-ministro Santana Lopes cinco meses após a posse. Marcelo dissolveu após o chumbo do Orçamento para 2022.