Apenas metade viu o peso da população infantil aumentar sobre o total de residentes na última década. Mães estrangeiras respondem já por 13,6% dos nascimentos.
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São pequenos oásis num país cada vez mais envelhecido e litoralizado. Na última década, apenas seis municípios viram o número de crianças dos 0-14 anos crescer. Mas, destes, apenas metade, dizem-nos os últimos Censos, conseguiu ver o peso destes menores no total da população residente aumentar. Um minicontraciclo, em parte explicado pelas migrações, com os nascimentos de mães estrangeiras a responderem já por 13,6% do total.
Vila do Bispo (+19,3%), Aljezur (+15,87%), Vila Velha de Ródão (+10,27%), Montijo (+5,96%), Odivelas (+1,55%) e Madalena, nos Açores (+0,46%) conseguiram, entre os Censos 2011 e 2021, aumentar o número de residentes entre os 0-14 anos. Foram 1104 crianças, num país que, no período em análise, perdeu mais de 241 mil menores naquela faixa etária. Mas apenas Vila Velha de Ródão, Aljezur e Vila do Bispo viram o seu peso aumentar no total de residentes. E só os primeiros dois concelhos conseguiram baixar o seu índice de envelhecimento.
Analisando os dados dos Censos 2021, verifica-se que apenas dez municípios se movimentaram contra a corrente, alargando a base da sua pirâmide etária. Quando, no total do país, a faixa 0-14 passou a responder por 12,9% do total da população (menos dois pontos percentuais face a 2011), enquanto os mais de 65 escalaram para os 23,4% (mais 4,4 pp). Portugal conta com mais 414 mil residentes maiores de 65 anos: são 182 idosos por cada 100 jovens, contra 128 em 2011. Numa inversão histórica, o país perdeu 2,1% dos seus residentes.
Migrações podem ajudar
Analisando os municípios em contraciclo, sobressaem os nascimentos de mães estrangeiras. Destaque para Aljezur, com 58,7% dos bebés filhos de estrangeiras; e Vila do Bispo, nos 41,1%. Em Portugal, no ano passado, as mães de nacionalidade estrangeira respondiam já por 13,6% dos nascimentos, contra 10,3% nos Censos anteriores. Chegando aos 25,4% no Algarve e aos 22,3% na Área Metropolitana de Lisboa (AML), as únicas regiões do país que conseguiram aumentar a população residente na década em análise. Dos dez municípios com mais crianças até aos 14 anos, sete encontram-se na AML.
Dados que, no entender da demógrafa Maria João Valente Rosa, mostram a importância de "tornar as regiões mais atrativas do que repulsivas". E que, sendo exceções, revelam que a "realidade do país não é heterogénea, numa multiplicidade de histórias e de diferentes realidades demográficas".
Reforçando o papel das migrações: "A única forma que temos de não perder tanta população é tendo saldos migratórios positivos [mais entradas do que saídas], essencialmente de tipo laboral, porque vai contribuir para reforçar as idades centrais, férteis, refletindo-se nos nascimentos, contribuindo para que a população mais jovem não diminua ou até aumente", explica ao JN.
Já o envelhecimento veio para durar. "Até 2040 vai estar cá, vamos continuar a envelhecer, mas os movimentos migratórios podem atenuar a intensidade", diz Valente Rosa. Acresce que aqueles fluxos podem tornar o país menos assimétrico. Sabendo-se agora que 20% da população está concentrada em 1,1% do território.
O presidente da Associação Portuguesa de Demografia adianta, por sua vez, que, "com os índices que temos, e instituída que está a não renovação de gerações, é irreversível, a longo prazo, a nossa situação do ponto de vista do envelhecimento". E se os dados mostram que "nalgumas regiões do país conseguimos atenuar a situação à conta de saldos naturais alimentados pela população estrangeira", a questão que se coloca é: "O que temos a dizer coletivamente sobre isso?". Paulo Machado defende uma "reflexão" sobre a situação demográfica do país, tanto mais que "quando introduzimos políticas natalistas, os resultados não são famosos".
À lupa
Vila Velha de Ródão: chumbo de creche preocupa
O nome do concelho engana pois está cada vez mais novo e atrai casais jovens que ali querem constituir família. A Autarquia aponta dois fatores para este rejuvenescimento: o aumento do emprego na indústria, graças ao investimento privado, e os incentivos municipais à fixação de famílias e jovens. Criaram um incentivo ao arrendamento jovem até 350 euros ou, em caso de famílias numerosas, até à totalidade da renda durante três anos, bem como apoios de quase cinco mil euros para aquisição e recuperação de casas devolutas. A Autarquia está a investir mais de um milhão de euros numa escola básica e tentou requalificar uma antiga escola para a transformar numa creche, mas a candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência foi chumbada, o que a deixa apreensiva. "Sem a oferta de vagas ao nível da creche, como podemos garantir a continuidade das famílias no concelho, quando está prevista a criação de mais 100 postos de trabalho?", questiona a Autarquia, falando numa "decisão incompreensível", tendo em conta o discurso da "discriminação positiva do interior".
Montijo: faltam creches e médicos
O autarca Rui Canta associa o aumento de crianças à vinda de casais jovens residentes em zonas limítrofes da Área Metropolitana de Lisboa para o Montijo, "um dos concelhos com maior atratividade". "Até à construção da Ponte Vasco da Gama, o Montijo acompanhava o envelhecimento em todo o país, mas a partir daí tornou-se muito atrativo para casais jovens que veem a cidade crescer de forma ordenada e estruturada, mesmo sujeita à grande pressão urbanística". A Autarquia investe por ano meio milhão de euros na requalificação de escolas e admite que precisa de cada vez mais salas a partir do pré-escolar. Até aos três anos, a oferta é privada e assegurada pelas IPSS do concelho e o autarca assegura que há muita procura. "Ainda assim, a oferta adequa-se, a qualidade é muito boa e os preços competitivos face a outros municípios". Para o ano estão previstas oito novas salas de aulas em duas escolas básicas e já se planeia a construção de uma nova escola do 2.º e 3.º ciclos numa zona com prédios novos que há dez anos não existia . A falta de médicos de família é um desafio antigo que continua a assolar o concelho, como muitos outros do país, onde há milhares de utentes sem médico de família.
Vila do Bispo: dinheiro a cada bebé que nasce
A Autarquia algarvia aumentou o número de salas em escolas básicas. "Ter mais crianças é muito gratificante", afirma fonte oficial da Autarquia, sem conseguir explicar se este aumento se deve à chegada de imigrantes ou fixação de jovens portugueses. A Autarquia aponta o apoio financeiro às famílias pelos nascimentos (750 euros no caso do primeiro filho, 1000 para o segundo e 1250 para os restantes) como um grande incentivo. Foi necessário aumentar salas de 1.º Ciclo e de jardim de infância e abrir um jardim de infância no Burgau.
Odivelas: a ajuda das mães estrangeiras
Odivelas atribui o aumento da natalidade à juventude que sempre caracterizou o concelho e ao saldo migratório dos últimos dez anos. "Em 2021, cerca de 26% do total de nascimentos de residentes em Odivelas foram de mães estrangeiras", afirma fonte oficial da Autarquia. Perante o aumento da natalidade, o município tem apostado na construção de escolas com jardins de infância, como a EB Mosteiro - Odivelas e o Jardim de Infância Alzira Beatriz Pacheco, em Póvoa de Santo Adrião, cujo investimento supera os sete milhões de euros e serve 210 crianças. "Relativamente às creches, o município presta apoio às famílias através do Programa FASE e procura, junto dos seus parceiros, instituições, ceder terrenos em regime de comodato, apoiando financeiramente a construção de equipamentos sociais com resposta de creche". Outros apoios, como o IMI familiar e o desenvolvimento de condições de qualificação urbana, como a construção de ciclovias e a melhoria do espaço público são outras formas de fixar e atrair população, afirma a Autarquia. As fichas de atividades para alunos do 1.º e 2.º ciclos são gratuitas e há kits escolares gratuitos para as crianças do pré-escolar e 1.º ciclo, passe para crianças e jovens com menos de 13 anos e comparticipação do passe para os maiores de 13.