C., 56 anos, retém as lágrimas a custo. Divorciada, desempregada e com uma neta adolescente ao seu cuidado, faz das tripas coração para que nada lhe falte, com os 170 euros que recebe por mês do rendimento social de inserção, mais os 106 euros do fundo de garantia de menores. O corte na doação de alimentos veio agravar ainda mais uma vida cheia de privações, em que o apoio da família é determinante para sobreviverem.
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"A minha neta tem défice cognitivo, mas tive de a tirar do centro de estudos, porque não tenho dinheiro para pagar", confessa C., com a tristeza estampada no rosto. "Agora, gasto mais dinheiro em compras no supermercado, que me faz falta para a farmácia. Tenho uma receita para aviar, que vai ter de esperar", explica. "E já tive de pedir dinheiro emprestado à minha mãe", conta, embaraçada.
Cortar na boca
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Dos tempos em que tinha uma vida mais desafogada, restou-lhe uma casa em Leiria, pois foi obrigada a fechar o negócio por conta própria para pagar as dívidas do marido. "Agora, só compro frango e carne de porco em promoção", assegura, porque os 276 euros não dão para mais. E o que lhe vale é que a neta almoça na escola, por ter escalão A. "Raramente, vou tomar café com alguém, porque não gosto que me estejam sempre a pagar e não compro coisas de que gosto. Não posso".
M., 54 anos, está a tratar dos documentos para ir a uma junta médica, para poder pedir a reforma antecipada, pois as artroses nas mãos e os problemas na coluna causam-lhe dores que já não a deixam trabalhar.
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Em casa, o marido, também doente, é o único com emprego e há uma terceira boca para alimentar, a do filho, de 20 anos, que anda à procura de trabalho. As falhas na entrega de bens alimentares, que recebem por intermédio da mesma IPSS de C., obrigam M. a fazer mais contas à vida. "Deixámos de comer peixe, porque agora não há", explica. "Tenho o colesterol muito alto e tomo um medicamento muito caro. Devia comer mais peixe e atum, mas foram dois dos alimentos que cortaram", lamenta. Os parcos rendimentos da família só lhe permitem despender, no máximo, mais 20 euros por mês em alimentação.
"Se formos a fazer bem as contas, em vez de gastar 60 euros no supermercado, gasto 70 ou 80." Com a despensa e a arca mais vazias, a única solução que M. encontrou foi cortar na quantidade que punha no seu prato. "Mesmo que tenha vontade de comer mais, não posso. Não tiro da boca do meu marido, que ainda trabalha, nem do meu filho. Sai da minha", diz, resignada. "Não podemos refilar muito, porque eles é que têm a faca e o garfo na mão", observa. "A gente acaba por não bater de frente com ninguém, porque quem precisa precisa sempre."