As famílias beneficiárias do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) estão a receber cada vez menos bens alimentares por mês, o que as impede de viverem com dignidade.
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A situação agravou-se nos últimos cinco meses e é justificada pelo Ministério da Segurança Social com "impugnações judiciais interpostas pelos concorrentes" nos concursos públicos de compra de produtos, "a demora na análise da emissão dos pareceres técnicos da ASAE [Autoridade de Segurança Alimentar e Económica] e a exigência da União Europeia na tramitação procedimental associada" a esses concursos de aquisição.
Cofinanciado pela União Europeia, o POAPMC foi criado para combater a pobreza e a exclusão social em Portugal. Gestor do programa, o Ministério da Segurança Social admite a existência de "falhas na entrega de alguns produtos" e diz que "a situação está a ser gradualmente ultrapassada", assegurando que "alguns produtos serão distribuídos este mês". No entanto, assistentes sociais e beneficiários garantem que os cortes são constantes. Este mês, M. recebeu apenas 15 dos 25 produtos que deviam estar no cabaz, e as quantidades também diminuíram.
Beneficiários reagem mal
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Distribuídos por instituições de solidariedade social (IPSS) de todo o país, muitos cabazes deixaram de trazer leite, arroz, peixe congelado (pescada, cavala e sardinha), atum, azeite e bolacha maria, desde setembro, para desespero de muitas famílias. "O que é que eu digo a uma mãe com filhos?", questiona C. "Isto é quase criminoso", observa a assistente social em Leiria. A indignação é o sentimento dominante entre os técnicos das IPSS, ouvidos pelo JN. "Temos muitas famílias com muitas crianças e o leite faz-lhes muita falta. É disso que se queixam mais", conta I., assistente social em Setúbal.
Lembra que a maioria dos utentes não consegue entender quando lhes explicam que os alimentos não são distribuídos devido à impugnação de concursos para a aquisição de bens alimentares, a única informação que chega ao conhecimento dos técnicos. "Reclamam e ficam chateadas".
Assistente social em Coimbra, J. confirma que alguns "reagem muito mal. Quem está no terreno é pressionado pelos beneficiários, que ficam revoltados. Pensam que ficamos com os produtos, e, do outro lado, não nos dão resposta. Estamos a levar com uma culpa que não é nossa", lamenta. "Não têm vindo nem 25% dos alimentos e alguns utentes dizem que não vale a pena ir buscá-los, só por aquela quantidade. As pessoas vivem longe e têm baixos rendimentos, para pagarem o transporte."
Solidariedade impede fome
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"Fome não passam, porque fazem uns trabalhitos ou solicitam-nos ajuda. E nós mobilizamo-nos e tentamos socorrê-las", garante J. "Uma senhora disse-me que, quando recebia alimentos a mais, dava à filha e, em troca, ela comprava-lhe carne e peixe para o mês", revela I., assistente social em Setúbal. "Aqui, há zonas mais rurais e espírito de entreajuda". E os próprios técnicos dão a mão a vários utentes. "A Segurança Social diz que não tem dinheiro para dar no imediato. Uma pessoa que não tem uma botija de gás em casa, não pode esperar", adverte ao JN.
Assistente social na Guarda, V. destaca o facto de as pessoas serem solidárias, para que ninguém passe privações. "Há muita entreajuda e as rendas e o custo de vida são mais baixos do que nas grandes cidades". Mas as falhas já sucederam no passado. Por exemplo, conta, nos últimos três meses do POAPMC 2017-2019, "veio tudo o que falhou num ano", pelo que "alguns beneficiários deram a familiares que não precisavam", para os alimentos não se estragarem.
Perguntas e respostas
O que é o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas?
O Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) é um instrumento de combate à pobreza e à exclusão social em Portugal.
Qual é o objetivo daquele programa?
Diminuir as situações de vulnerabilidade que colocam em risco a integração das pessoas e dos agregados familiares mais frágeis, reforçando as respostas das políticas públicas existentes.
Como se pode candidatar ao apoio?
Para aferir se os candidatos se encontram em situação de carência económica, são considerados o rendimento per capita, o rendimento mensal líquido do agregado familiar, as despesas fixas e o número de elementos do agregado familiar. Deduzindo as despesas às receitas, o valor por pessoa não pode exceder 213,91 euros.
Números
120 mil beneficiários de cabazes alimentares existem no país. Estes devem incluir 25 produtos para promover o bem-estar e a inclusão social.
63 operações de monitorização da qualidade dos cabazes alimentares estão previstas até junho. O Governo desmente a distribuição de produtos podres ou fora da validade e diz que, se assim fosse, seriam destruídos.