Secretário de Estado insiste em modelo rejeitado em 2017. Alegado conflito de interesses já chegou à Anacom.
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O concurso público para a gestão da rede Siresp no período de 2023 a 2025 está na origem de uma desavença dentro do Ministério da Administração Interna (MAI) que levou a presidente da empresa pública Siresp, SA, Sandra Neves, a denunciar um alegado conflito de interesses que prejudica os cofres públicos em 15 milhões de euros por ano em benefício da Motorola. Do outro lado está o secretário de Estado, Antero Luís, que tem como consultor, desde o ano passado, Hélder Simões, antigo representante da Motorola em Portugal.
A desavença tem origem no concurso público para gestão da rede Siresp para o período 2023-2025, concretamente na escolha da tecnologia de redundância que entra em funcionamento quando falha a principal.
Em cima da mesa estão dois cenários. O primeiro, defendido pela Siresp, SA, mantém a tecnologia atual com o custo de um milhão de euros por ano. O segundo cenário, defendido pela Secretaria-Geral do MAI (SGMAI), implica o aumento do número de estações-base de 60 para 550, com o custo estimado de 15,8 milhões de euros por ano. Ou seja, cerca de 15 milhões de euros a mais por ano, num total de três anos, com alegadas vantagens para a empresa Motorola.
MAI DESCONHECE valor
Em resposta ao JN, o MAI tem uma versão diferente, pois alega desconhecer a comunicação que foi enviada pela Siresp, SA, em novembro do ano passado, para os chefes de gabinete dos secretários de Estado e para Marcelo Carvalho, secretário-geral do MAI, onde são estimados custos acrescidos de 15 milhões de euros. "Desconhecem-se os cálculos", afirma fonte oficial do MAI, que acrescenta que "a diferença em questão é de apenas 3,8 milhões de euros por ano".
O mesmo ministério também assegura que há diferenças na qualidade das soluções: "Uma só tem eficácia enquanto as quebras dos circuitos de transmissão não ultrapassarem 60 situações em simultâneo, a outra é eficaz mesmo com a quebra da totalidade".
Esta versão contradiz a mesma comunicação de novembro, feita pela Siresp, SA ao MAI - a que o JN teve acesso - onde são feitas as contas de 15 milhões de euros anuais a mais e se lê que, na proposta mais cara, "não se estimam melhorias nos indicadores atuais".
consultor assinou
Uma versão da proposta mais cara já tinha sido apresentada pela Motorola ao MAI, em 2017, e foi rejeitada pelo então secretário de Estado, Jorge Gomes, devido ao critério financeiro. Quem assinou a proposta na altura foi Hélder Simões, que em 2017 era diretor comercial e representante da Motorola em Portugal. Hoje, Hélder Simões é consultor do Governo e representante da SGMAI nos grupos de trabalho para o concurso público do Siresp, depois de ter sido contratado no início do ano passado, através da SKSoft, como confirmou o MAI.
No entanto, o mesmo ministério alega que a proposta mais cara agora em cima da mesa é diferente da de 2017, pois a atual "não rejeita a utilização do equipamento Cell-Site Gateway", que é um adaptador atualmente na posse da Altice/Meo. Aliás, esse é um dos motivos pelos quais o MAI alega querer mudar, pois quer assumir o controlo do adaptador para se livrar da "dependência da informação fornecida pela Siresp, SA, que a SGMAI deve supervisionar".
Segundo a denúncia a que o JN teve acesso, as propostas de 2017 e 2022 são semelhantes na base, ou seja, na forma de transmissão em "dual link" (duas ligações, com duas estações), o que obriga a multiplicar o investimento em estações-base e, consequentemente, inflaciona os custos.
Em janeiro deste ano, o programa de caderno de encargos elaborado pela Siresp, SA e enviado para a SGMAI não previa a solução mais cara e apresentava dois lotes para o concurso público da gestão do Siresp. Descontente, o secretário de Estado com a tutela do SGMAI e do Siresp, Antero Luís, ordenou a divisão dos lotes do concurso (passaram para seis) e incluiu, num deles, a solução em "dual link".
siresp pediu parecer
A insistência nesta solução levou a presidente da Siresp, SA, Sandra Neves, ex-quadro da Altice, a escrever à ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem, denunciando o alegado conflito de interesses.
Na missiva, a presidente da Siresp, SA aborda a contratação de Hélder Simões e pede que a solução "Motorola" seja avaliada por uma entidade independente. A Siresp, SA entende que esta é uma proposta que "constitui um uso não criterioso de recursos financeiros do Estado", como transmitiu à secretária de Estado Patrícia Gaspar em setembro, e enviou o assunto à Anacom. "A presidente da Siresp, SA pediu, no início de janeiro, um parecer técnico à Anacom", confirmou o MAI.
O gerente da SKSoft, Tiago Lourenço, afirmou ao JN que a escolha de Hélder Simões foi da "inteira responsabilidade" dessa empresa.
POLÉMICAS
Recusaram assinar
Os consultores da SGMAI, entre os quais Hélder Simões, foram impedidos de entrar numa reunião do grupo de trabalho do Siresp, que se realizou em outubro do ano passado, por se recusarem a assinar um termo de confidencialidade exigido pela Siresp, SA.
Sucessivos atrasos
O concurso público para a gestão do Siresp é uma exigência do Tribunal de Contas e tem sido marcado por sucessivos atrasos. Em 2021, o MAI foi obrigado a renovar os contratos com a Altice e Motorola por 18 meses por ajuste direto. O novo prazo prevê que fique pronto no fim do ano.
SKSoft faturou 1,2 milhões com o MAI em 2021
A empresa SKSoft faturou, no ano passado, 1,2 milhões de euros com a SGMAI e PSP, ambas do MAI, em três concursos e cinco ajustes diretos. Desde que foi criada, em 2014, a SKSoft faturou 1,8 milhões com o MAI e cerca de 16 mil euros com todas as outras entidades públicas com quem trabalhou. O gerente é Tiago Lourenço, que trabalhou no MAI de 2007 a 2014.