A verdade, antes de tudo: travar o fenómeno das alterações climáticas já não é possível. Dizem os cientistas de todo o Mundo em artigos amplamente divulgados e dizem os investigadores ouvidos pelo JN.
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Logo às primeiras linhas deste texto, é o desalento entre recicladores, reutilizadores e demais ambientalistas anónimos. Para quê reciclar? Trocar o carro pela bicicleta? Trazer as compras em sacos de pano? Boicotar produtos embalados em plástico? Racionar o consumo de água? Aproveitar a iluminação natural ao máximo? Para quê tudo isto?
O fenómeno das alterações climáticas não é uma conspiração e está numa fase "irreversível", confirma Diogo Vidal, especialista da Unidade de Investigação em Energia, Ambiente e Saúde da Universidade Fernando Pessoa. Mas nós ainda temos uma missão: "Procurar reduzir os impactos, adaptando-nos". A sério: "Os comportamentos individuais de todos nós podem fazer a diferença". A promessa é do investigador e alinha-se com as recomendações da comunidade científica em todo o Mundo. Por isso, calma. Ainda nos resta algum tempo para o ativismo ambiental. Aliás, é tudo o que nos resta.
A questão é que só conseguimos ir mais além se houver políticas públicas. Apenas com a soma das partes, entre a ação individual e a regulação, é possível abrandar o que já está em andamento: a degradação dos ecossistemas face ao crescimento da população mundial.
Somos muitos. Somos demais?
Conta-nos Rui Maia, docente e investigador naquela mesma universidade, que, "após a Segunda Guerra Mundial, assistiu-se, continuadamente, ao aumento da população nos países 'emergentes', muito graças à intervenção externa da Organização Mundial de Saúde, com efeitos visíveis na redução da mortalidade infantil". O problema, defende o professor, é a inexistência, genericamente, de políticas demográficas capazes de acompanhar esse crescimento. E, já agora, "quem decide se há gente a mais?"
Há países mais povoados do que outros, países onde se morre de fome, países onde se morre de excesso, países sem recursos naturais, países com recursos explorados muito além da sua capacidade. Além das recomendações da praxe, o que andam os líderes do planeta Terra a fazer para equilibrar esta equação de gente e Natureza? "Muito e, paradoxalmente, pouco", começa por formular Rui Maia.
"Muito, na comparação entre gerações, pela educação formal e não foral. Até aos anos 70 do século passado praticamente nada se abordava, em matéria ambiental, nos programas escolares. Nada. Só mesmo pelos anos 90 é que os programas começaram a incluir temas, direta e indiretamente, relacionados com as questões ambientais."
Entretanto, nos nossos dias, a educação ambiental é motivo de orgulho nos programas escolares. A questão é que "entre o formar e o implantar a distância é significativa", ressalva, para justificar o pouco que, afinal, se faz.
Para isso, seria necessário aproximar quem investiga, quem aplica as políticas e quem as pratica. "Cada um pode fazer muito para ajudar a mitigar os efeitos decorrentes de hábitos e comportamentos nefastos para o ambiente. E o somatório das atuações de cada um terá efeitos multiplicadores".
Bater na tecla do excesso de carros na estrada
Um exemplo claro de que sem políticas públicas integradas não podemos mudar o Mundo sozinhos é o uso abusivo do carro. É cómodo. Mudar um hábito desta dimensão implica ter alternativas de transportes públicos sustentáveis que sejam apelativas, que nos convençam a abdicar do conforto do automóvel para todo o lado. Às vezes, é só mesmo ali ao lado. Aqui, usar biocombustíveis e ter as inspeções em dia são pontos a favor da qualidade de vida.
Mas não podemos fechar os olhos ao derradeiro argumento: os NOX, os principais poluentes que resultam do tráfego automóvel. Explica Diogo Vidal que estes "óxidos de azoto são responsáveis por milhares de mortes na Europa, por causarem o desenvolvimento de patologias do foro respiratório quando expostos durante longos períodos aos mesmos".
Consumir muito. A indústria do plástico adora
Todos os dias somos confrontados com imagens chocantes de excesso de plástico e embalagens e no impacto que têm no planeta, em particular, nos oceanos. São marés de lixo. Animais que crescem deformados, presos em plásticos e metais, armadilhas perfeitas.
As imagens têm uma força brutal, mas, enquanto forem daquele mar lá longe e nos chegarem pelas redes sociais entre partilhas de frases motivacionais, dicas de fitness, boatos cor de rosa e as chamadas "fake news", são só ruído visual vindo de um mundo que parece demasiado distante para ser o nosso. Por cá, o impacto deste tipo de poluição ainda é coisa pontual.
Na perspetiva de Diogo Vidal, "apesar de os portugueses estarem mais conscientes, ainda continuamos a 'assobiar para o lado', pois os impactos não são visíveis a toda a hora, ou seja, não são recorrentes, sendo esporádicos (situação que tenderá a mudar e os acontecimentos extremos serão mais frequentes). Por este motivo, e dado que parece que nada acontecerá, somos indiferentes".
"O destino está nas nossas mãos. O Mundo conta com todos", apelou António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas no passado mês de setembro, em Nova Iorque. Mas talvez só "quando a defesa do meio ambiente se tornar um 'negócio individual' o problema cairá substancialmente", admite Rui Maia.
Recicladores, reutilizadores e demais ambientalistas anónimos: não fazer nada é que nada resolve.