Número de registos em 2020 foi de apenas 3337. Proposta para obrigar hospitais a informar sobre este documento está a aguardar decisão na Assembleia da República.
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Desde 2014, 35 305 portugueses registaram um testamento vital. Em 2020, houve uma quebra acentuada dos pedidos e atingiu-se o valor mínimo dos últimos cinco anos: 3337. Para o "pai" da lei que entrou em vigor em 2012, os números até não são desanimadores, tendo em conta o período atípico atual. "Não houve um retrocesso. Houve um condicionamento por causa da situação pandémica e as pessoas não têm verdadeiramente onde se informar porque esse auxílio é dos profissionais de saúde e eles não tiveram tempo", considera o médico Rui Nunes .
Para contrariar a subutilização das também denominadas Diretivas Antecipadas de Vontade, a Associação Portuguesa de Bioética entregou, em 2020, uma proposta no Parlamento para obrigar todos os hospitais, públicos e privados, a informar os doentes, no momento da admissão, de que podem fazer um testamento vital.
Uma proposta de alteração à lei que terá ficado pendurada durante a pandemia, mas que a associação acredita que possa vir a ser debatida quando se atingir a imunidade de grupo. "Seria uma excelente ferramenta para que os níveis de literacia na saúde nesta matéria aumentassem. Isto é um ato de liberdade, mas se as pessoas não sabem que existe não o vão fazer", explica Rui Nunes, também presidente da associação.
A obrigatoriedade de informar os utentes sobre a existência de um documento que lhes permite expressar os tratamentos a que querem ou não ser submetidos caso estejam impossibilitados de o fazer já vigora em alguns estados norte-americanos, por exemplo. "Em muitos estados, 90% da população acima dos 60 anos tem um testamento vital, estamos a falar de números completamente diferentes", compara Rui Nunes, docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
A sugestão não é, contudo, consensual. "Se eu entrasse num hospital e recebesse um papel desses ficava a pensar: "Será que vou morrer?". Já estou a imaginar o que passaria pela cabeça dos doentes. Não usaria esse timing, mas talvez ao nível dos cuidados de saúde primários fizesse todo o sentido", defende Ana Paula França, professora na Escola Superior de Enfermagem do Porto.
subsistem cRÍTICAS À lei
Há ainda muitas reservas quanto ao funcionamento e segurança do testamento vital, nomeadamente quanto à sua validade e ao facto de o acompanhamento médico ser facultativo. "A evolução técnico-científica é avassaladora. E uma coisa para a qual hoje não há tratamento, amanhã já há, e muitas vezes as pessoas não têm acompanhamento e não se apercebem de que podiam revogar ou alterar a declaração. Faz todo o sentido que esta fosse acompanhada por um médico e, não tendo ficado assim, é um risco", acrescenta a especialista em bioética que teme que ao cumprir as diretivas antecipadas se possam "perder vidas que poderiam ser salvas" e que a falta de in formação coloque em causa o propósito do projeto que é garantir a autonomia ao utente.
COMO FUNCIONA
Entrega do documento
A lei permite que o documento, que pode ser descarregado online sem custos na área do cidadão do Serviço Nacional de Saúde, possa ser entregue nos balcões do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) que funcionam nos centros de saúde da área de residência. O testamento vital também pode ser feito através de um notário.
Procurador de cuidados
Além de o utente poder expressar a sua recusa de diversos tratamentos, como a transfusão de sangue, a reanimação, procedimentos em fase experimental, entre outros, também pode fazer o testamento apenas para nomear alguém que seja chamado a decidir sobre quais os cuidados a prestar. O procurador pode ser ou não familiar.
Quem tem acesso?
Além do próprio, o testamento vital pode ser visto pelos médicos e pelos funcionários do RENTEV. Sempre que os dados são consultados, o utente e o procurador de cuidados recebem uma notificação, via SMS ou email.
Alteração ou revogação
Sendo válido por cinco anos, o documento pode ser alterado, no todo ou só em parte, ou até revogado sempre que o utente o pretender. Quando o documento, que é apenas válido em território nacional, estiver prestes a caducar, o utente é alertado.