Referenciação de jovens e adultos para consulta de medicina de reprodução deve ocorrer logo no momento do diagnóstico para não se atrasarem os tratamentos, alerta oncologista.
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Aos 14 anos, dois dias antes de começar a quimioterapia para erradicar um tumor maligno numa perna, Fábio Vicente recebeu um telefonema que lhe mudaria o futuro. O padrinho, médico ginecologista, aconselhou-o a preservar a fertilidade, antes do tratamento oncológico. Hoje, aos 37 anos, é pai de um rapaz de sete e não esconde a sorte que lhe coube. Sara Gaspar não pode gabar-se do mesmo. Quando chegou o diagnóstico - cancro nos ovários - já nada havia a fazer para preservar o sonho de um dia vir a ser mãe. A preservação da fertilidade nos doentes oncológicos é uma oportunidade que não pode perder-se, alertam médicos e doentes.
A história de Fábio Vicente aconteceu há 23 anos, numa altura em que pouco se sabia sobre a importância da preservação de gâmetas (óvulos ou espermatozoides, consoante o género) em doentes oncológicos. Ao ponto do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, onde foi tratado, o ter reencaminhado para a Maternidade Alfredo da Costa, onde fez a colheita de esperma para criopreservação.
Fertilidade reduz 50%
Nos últimos dez anos, o conhecimento dos médicos e dos doentes sofreu "uma evolução brutal", nota Teresa Almeida Santos.
Porém, ainda há algumas limitações na referenciação para a consulta de Medicina de Reprodução, alerta a coordenadora do Centro de Preservação da Fertilidade do Centro Hospitalar e Universitário da Universidade de Coimbra (CHUC). Nomeadamente em função do prognóstico do cancro ou quando o doente já tem filhos. A infertilidade "não é uma consequência inevitável do diagnóstico oncológico", mas sabe-se que, após a quimio ou a radioterapia, a probabilidade dos sobreviventes terem filhos baixa 50%.
Por isso, realça a especialista, é fundamental que a informação sobre o risco de infertilidade e a possibilidade de preservar gâmetas (óvulos e espermatozoides) chegue a todos os doentes em idade fértil, incluindo na puberdade. O tema deve ser abordado pelo médico no momento do diagnóstico do cancro, de forma a que, se for a vontade do doente, haja uma "rápida referenciação", defende.
"A resposta dos centros de PMA [Procriação Medicamente Assistida] públicos é rápida", garante a médica, mas o encaminhamento deve ser feito no momento do diagnóstico, para que os procedimentos para a criopreservação decorram enquanto o doente ainda está a realizar os exames de estadiamento do cancro.
No caso das mulheres, são necessárias duas semanas para a estimulação dos ovários, que precede a colheita dos óvulos. "Uma jovem com diagnóstico de cancro só quer iniciar o tratamento". Dizer-lhe que a preservação da fertilidade pode atrasar duas semanas esse início cria dúvidas e angústia, nota a especialista.
Diagnóstico devastador
Dúvidas que nunca se colocaram a Sara Gaspar. Há dois anos, procurou um ginecologista, porque tinha enjoos, tonturas, cansaço e "um peso no fundo da barriga". Chegou a pensar que estava grávida, mas não.
A ecografia revelou uma massa num dos ovários e foi encaminhada para o Hospital de Vila Real, onde acabaria por ser operada em poucos dias. Removido o tumor e confirmada a malignidade, Sara recebeu um diagnóstico devastador. "Tinha de fazer uma histerectomia [remoção do útero]. E já era tarde de mais para preservar a fertilidade", conta a jovem de 25 anos. O sonho de ser mãe perdeu-se. Resta-lhe o conforto de saber que o cancro não voltou a dar sinal de vida.
SABER MAIS
Tratamentos
Os tratamentos de quimioterapia e de radioterapia (no abdómen, cavidade pélvica ou na zona cerebral) podem afetar a capacidade reprodutora.
Vários fatores
Cada caso é diferente e o risco de infertilidade depende de vários fatores - como a idade, alguma suscetibilidade individual e a combinação de fármacos usados na quimioterapia - não sendo possível quantificá-lo em cada doente.
Informação a todos
Os doentes devem ser informados, no momento do diagnóstico, do risco de infertilidade e da possibilidade de preservar gâmetas para se um dia quiserem ter filhos. A informação deve chegar a todos, mesmo aos doentes em idade pediátrica e àqueles que já têm filhos, defende a médica Teresa Almeida Santos.
Criopreservar no SNS
No Serviço Nacional de Saúde, a preservação de gâmetas por doença oncológica faz-se nos hospitais com centros de Procriação Medicamente Assistida (PMA), que existem no Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo. As regiões do Alentejo e Algarve não têm.
Sem limite de tempo
O material é criopreservado por cinco anos, renováveis sucessivamente com o consentimento do doente.