Um estudo do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica Portuguesa revela que existe uma pressão crescente de doentes com cancro da mama desproporcional ao número de profissionais de saúde e de meios técnicos. Os especialistas recomendam que se melhorem as equipas de especialistas necessários a um tratamento completo destas mulheres e que haja uma melhor articulação entre os centros de saúde e os hospitais para colmatar tempos de espera no serviço público
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"É necessário existir uma via verde [prioritária] para os exames e ter equipas multidisciplinares completas e funcionais", aconselhou Luís Costa, médico oncologista do Centro Hospitalar Lisboa Norte que coordenou o estudo "Católica H360º - Uma Visão Integrada do Cancro da Mama em Portugal", apresentado, esta manhã, no Centro de Congressos da Universidade Católica de Lisboa.
Os profissionais de saúde envolvidos no novo retrato do ICS demonstraram-se preocupados quanto à falta de pessoal nas equipas e de recursos técnicos que dizem ser insuficientes para responder ao número de doentes. Apontando ainda os tempos de espera prolongados entre o diagnóstico e o começo dos tratamentos, a dificuldade no acesso às terapêuticas inovadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para um elevado número de consultas médicas.
Em Portugal, todos os anos são diagnósticos cerca de 6 mil novos casos de cancro da mama, sendo que 1 500 mulheres morrem durante a luta contra a doença, segundo os dados do ICS.
Os especialistas sugerem que sejam melhoradas as equipas de profissionais, passando a integrar médicos especialistas em imagiologia, apoiadas por ortopedistas, cirurgiões, patologistas e especialistas em genética, como também nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas. "É muito importante que as instituições de saúde que recebem estas doentes tenham as equipas multidisciplinares completas. Isso deve ser feito e conjugado com aquilo que é o registo de novos doentes e o número necessário de especialistas para poder responder devidamente com qualidade a esta patologia", explicou Luís Costa, em declarações ao JN.
O ICS vê nos centros de saúde um possível apoio complementar aos hospitais na realização de exames complementares e no seguimento dos doentes oncológicos, a partir dos três a cinco anos de terapia hormonal. "É nos exames de estadiamento que os cuidados de saúde primários podiam ter uma grande relevância", defendeu Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa Oncológica.
Mais apoio na integração laboral
O estudo aponta que 56% das doentes diz sentir-se limitada no seu emprego e no desempenho das atividades do dia-a-dia. Por isso, os especialistas recomendam ao poder político que reveja a lei de proteção aos doentes oncológicos para considerar as suas particularidades, tornar sistemática a declaração médica às entidades empregadoras com as restrições para as determinadas atividades e ponderar incentivos fiscais ou apoios financeiros às entidades que empreguem estas pessoas.
Clara Marques Mendes, convidada a partilhar, na sessão de apresentação do estudo, a sua vivência enquanto vítima de cancro da mama e deputada na assembleia da República, foi diagnosticada em 2019 e contou que escolheu não parar de trabalhar.
A deputada apontou faltarem informação sobre os direitos dos trabalhadores com condições de saúde diferentes, nomeadamente sobre a necessidade de pedir um atestado multiúso para, junto da entidade patronal, para usufruírem de determinados direitos. "Eu não precisei, mas para quem precisa é muito complicado", referiu Clara Marques Mendes, relembrando que existem atrasos de quase um ano na atribuição destes atestados.
Relembrou também que o parlamento tem vindo a alterar a lei no caminho para a proteção dos doentes oncológicos. Em 2019 "foram equiparados os doentes oncológicos aos deficientes e aos doentes com doença crónica. Designadamente na organização do trabalho, que pode ser adequada às suas condições. E podem recusar-se a prestar alguns mecanismos se isso interferir no seu de saúde", apontou. A deputada relembrou ainda que o Governo prevê avançar com as quotas para trabalhadores com deficiência entre 2023 e 2024.
Tamara Milagre, presidente da EVITA, participou na fase dos grupos de foco do estudo, e trouxe para a sessão na Universidade Católica as situações de bullying a que estas mulheres são submetidas nos locais de trabalho. "As doentes metastáticas fazem terapia que não faz cair o cabelo. As pessoas acham que o crescimento do cabelo define o seu estado de saúde. Não sabem as metástases ósseas que estas senhoras têm, as dores que têm da radiação e da cicatrização e a incapacidade que têm em levantar pesos por causa dos linfedemas", explicou.
Para além de um reforço do apoio psicológico prestado às doentes, "as próprias empresas devem assumir um compromisso no sentido de explicar [aos trabalhadores] que estas doentes têm condições especiais porque têm uma condição de saúde que exige essa forma de trabalhar", defendeu a dirigente da associação que apoia doentes de cancro hereditário.
O estudo "Católica H356º", financiado pela Pfizer, foi desenvolvido pela equipa de investigação do ICS da Universidade Católica Portuguesa, e analisou como vivem e quais são as necessidades das mulheres com cancro da mama em Portugal, tendo em conta a perspetiva de 40 doentes de cada um dos sete hospitais de norte a sul do país inquiridos, dos médicos e enfermeiros que as acompanham ao longo do seu percurso no sistema de saúde e os gestores dos respetivos hospitais.
Participaram no estudo o Instituto Português de Oncologia do Porto, do Instituto Português de Oncologia de Coimbra, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (Unidade de Vila Real), do Hospital Espírito Santo, em Évora, do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, em Faro, e do Hospital da Luz, em Lisboa.