Depois da polémica com estilista norte-americana, triplicaram os cursos e ainda assim há 80 candidatos em lista de espera. Por curiosidade ou para espreitar uma possibilidade de negócio, a "velhinha" peça de vestuário tradicional do pescador da Póvoa de Varzim cativa novos e velhos.
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Há quem regresse às memórias de infância, quem tenha sido impelido pela polémica com a estilista norte-americana, quem procure um negócio e quem venha por pura curiosidade. A mais nova tem 18 anos, a mais velha 88. Os cursos da camisola poveira triplicaram e ainda assim não há vagas. Mais de uma centena já fez formação. Há 80 em lista de espera. A peça do velhinho traje do pescador, que, há um ano, foi notícia em todo o Mundo, está mais do que nunca "na moda".
"Nunca tinha pegado numa agulha, a não ser para coser um botão. É um desafio!", confessa David Silva. O músico e instrutor de aviação, de 42 anos, filho de emigrantes na Venezuela, é o único homem numa turma com 11 mulheres. Conheceu a camisola poveira há dois anos, quando assentou arraiais na Póvoa de Varzim. A namorada convenceu-o a fazer a formação, quando descobriu que não havia homens a aprender: "Disse-me logo: "Vais ser o primeiro"", conta, divertido.
Cândida Martins é tripeira, mas mora na Póvoa há vários anos. Já fazia malha. Agora, à beira da pré-reforma, decidiu "procurar novas formas" de ocupar o tempo. "Já conhecia, mas agora, estou a aprender a fazer e com todas as regras", explica, confessando que bordar em malha "é a parte mais complicada".
Ali ao lado, Alexandra Nogueira sempre teve "queda" para artesanato. A avó e mãe pegaram-lhe "o bichinho". Aprendeu croché e tricô. Com a polémica "Tory Burch", começou a aprender. Ganhou-lhe o gosto. Só deixa elogios à formação: "Aulas assim não há!".
De pesadelo a impulso decisivo
Em março, a estilista norte-americana Tory Burch pôs uma camisola poveira à venda como se fosse criação original sua. A Póvoa levantou-se em uníssono. Era muito mais do que uma camisola. Eram 150 anos de história. Era o respeito pela memória dos bravos pescadores poveiros e por todos quantos o mar, por ali, levou. A procura disparou e a polémica fez correr rios de tinta. O Ministério da Cultura quis processar a milionária. A certificação ganhou asas e, entretanto, já foi aprovada pela comissão consultiva para a Certificação de Produções Artesanais Tradicionais.
Os primeiros cursos começaram em maio de 2021, uns para desempregados pela mão do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), outros em modo de ocupação de tempos livres. Até ao final do ano passado, formaram-se mais de uma centena.
Há pessoas que querem só aprender, umas porque as suas avós e mães faziam, outras por curiosidade; e, depois, há pessoas que querem fazer disto um modo de vida
Agora, de dois cursos de ocupação de tempos livres, passou-se para seis. São 78 alunos em iniciação, intermédio e bordado. Os do IEFP estão prestes a arrancar.
"Há pessoas que querem só aprender, umas porque as suas avós e mães faziam, outras por curiosidade; e, depois, há pessoas que querem fazer disto um modo de vida", explicou, ao JN Urbano, Sofia Magalhães, do Centro Interpretativo da Camisola Poveira. "Temos formandos de nove concelhos e uma lista de espera de 80 pessoas", continua.
Sandra Silva é a formadora. Em dezembro de 2020, o seu presépio de porcelana fria foi eleito o "Melhor de 2020". Maria, José e o Menino Jesus surgiam de camisola poveira. Era a marca de uma artesã "poveira e orgulhosa das suas raízes". Este ano, começou a dar aulas. "Há muita curiosidade e não é só por parte dos poveiros", diz.
Com Tory Burch ainda muito presente, para quem é da Póvoa a polémica teve pelo menos um condão: tão cedo, não faltará quem queira aprender uma arte que já poucos dominavam