Trabalho de equipa entre várias gerações para contar votos de emigrantes em Lisboa
Estão a ser contados, esta segunda-feira, os votos dos eleitores portugueses residentes no estrangeiro. No Centro de Congressos de Lisboa, o dia começou cedo para as centenas de cidadãos que vão registar mais de 300 mil votos vindos da Europa e de fora do Velho Continente até quarta-feira.
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É notória a variedade de gerações nas mesas de recolha e contagem de votos. Há rostos mais jovens, mas também cabelos grisalhos. Desde as 9 horas que o ambiente é de concentração. Cada “scan” é um boletim registado. É esse o som que enche o pavilhão em Alcântara.
“Antigamente, as mesas eram menos jovens. Agora temos uma grande diversidade. Há muitos jovens que até se inscrevem voluntariamente quando geralmente as pessoas são indicadas por partidos políticos”, partilha Virginia Pinto, 70 anos, presidente de uma das mesa, indicada pelo PS.
Virginia fala por experiência própria. Desde a terceira eleição em democracia que se envolve na contagem e escrutínio de votos, primeiro nas freguesias, depois quando surgiu o antecipado em mobilidade. Agora, é a segunda vez no Centro de Congressos em Lisboa.
“Creio que as pessoas sentem que este é o momento”, partilha Virginia contente com a adesão. Já com um café na mão está pronta para voltar à mesa. Pelas 11 horas já lançaram para o caderno “581 eleitores” cujos votos vêm do Reino Unido.
Não se pode conversar com quem está nas mesas para não perturbar o trabalho. Mas há quem nas pausas para o café ou para comer qualquer coisa não se importe de dar uma palavra sobre o começo de uma jornada que se prolonga até ao final de quarta-feira.
“Estou aqui por indicação da Alternativa 21. [O partido] entrou em contacto comigo, perguntaram-me se eu queria participar e aceitei”, conta Diogo Nunes, 21 anos.
Para a contagem nestes próximos três dias, o jovem traz consigo o trabalho que levou a cabo numa mesa de voto em Almada no passado dia das eleições. “O nosso trabalho aqui é bem mais fácil do que no dia 10. Teve de ser manualmente e aqui o computador faz praticamente tudo. Há mais confusão em termos de pessoas, mas, de resto, está tudo muito mais organizado”, partilha.
Diogo vem pela experiência. Confessa que nem chegou a perguntar qual seria a compensação monetária por estes dias. “Já me disseram que não é algo rápido. Pode demorar ainda um bocadinho. Acho que se fosse pelo dinheiro seria um bocadinho mais difícil de nos envolver”.
Vanda Branco também se estreia no escrutínio dos votos vindos da Europa e do resto do Mundo, embora já esteja “habituada” ao processo. Em Setúbal, onde reside, já desempenhou todo o tipo de funções nas mesas espalhadas pela cidade.
No espaço da antiga-FIL é presidente da mesa 57 onde se contam votos de emigrantes portugueses que residem na Europa. “Nestas mesas é tudo já informatizado, não temos o papel e as descargas, mas é basicamente tudo igual. O mais trabalhoso é verificarmos a identidade [da pessoa] que está fora do envelope com a que está dentro do envelope, mas faz parte do processo democrático que, até agora, está a decorrer no seu melhor”, afirma Vanda enquanto espera pelo seu café. Embora as tarefas não mudem muito, a presidente de mesa, convidada pelo Bloco de Esquerda, reconhece que o digital acaba por ser “muito mais viável”.
Na mesa 14 já se testa o sistema que será utilizado nas eleições europeias. Estão a ser utilizados apenas dois dos 29 mil computadores com a nova aplicação de admissão ao voto, ligados através da Rede Nacional de Segurança Interna. A tecnologia permite sincronizar as votações em tempo real, sem necessidade de consultar cadernos em papel, impedindo que o mesmo cidadão possa votar mais do que uma vez. Já esta semana serão entregues ao Ministério dos Negócios Estrangeiros os primeiros 500 computadores para serem distribuídos pelos consulados.
Questionado sobre o projeto, o gabinete do ministro da Administração Interna revelou, ao JN, que os computadores já foram adquiridos, “estando previstas as primeiras entregas em março”. Até agora foram adquiridos equipamentos e adjudicados serviços “no valor de 18 milhões de euros”. Em junho, os eleitores vão poder votar em mobilidade em qualquer uma das 13 500 mesas de voto em território nacional - bem como cerca de 200 em 170 países - , sem inscrição prévia, mesmo que estejam a quilómetros do concelho onde residem ou onde estão recenseados.
No rés do chão da sala principal do Centro de Congressos de Lisboa concentram-se as mesas do círculo eleitoral da Europa. Em menor número estão, no andar de cima, as de fora da Europa. “Toda esta estrutura que foi montada visa tratar, nestes dias, mais de 300 mil votos que vamos receber. Uns já recebemos e outros vamos continuar a receber até à próxima quarta-feira. Temos cerca de 100 mesas de votos montadas, com cerca de 700 pessoas a escrutinar votos. São pessoas, na sua generalidade, indicadas por partidos políticos, e as mesas são plurais”, explica Fernando Anastácio, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), em declarações ao JN.
Embora haja muito trabalho a fazer até quarta-feira, durante esta manhã o processo decorre com normalidade. A meio da manhã, a contagem que passa nos ecrãs espalhados pelo pavilhão registavam uma média de 741 boletins registados por minuto.
Votos sem cópia do cartão de cidadão
À semelhança do que aconteceu em 2022, há situações em que os eleitores não fizeram acompanhar o voto de uma cópiada frente e verso do cartão de cidadão como é pedido por lei. De passagem pelas mesas confirmam-se alguns casos. Os membros separam estes votos em caixas à parte, uma vez que, sem a identificação, os votos serão anulados.
“É um requisito da lei. Num subscrito coloca-se o voto, tem de ser acompanhado por uma cópia do cartão de cidadão, tudo isso colocado dentro de um outro subscrito. Faço uma nota de que são coisas separadas. Verifica-se se estão os dois juntos, separa-se, e depois é que se faz a respetiva validação e abertura do voto, para garantir a confidencialidade do voto”, explica.
Já ao início da tarde, Fernando Anastácio afirmou que o número de votos sem uma cópia do cartão de cidadão é "significativo". "É um problema da lei", advertiu em declarações à RTP.
Quase 300 mil cartas de votos de emigrantes
Quando estiverem contabilizados todos os votos, segue-se o apuramento geral. O que implica “um prazo de dois dias para eventuais recursos”, acrescenta Fernando Anastácio, O porta-voz crê que a publicação dos resultados oficiais poderá ser conhecida “no dia 22 ou 23”. Esta semana serão assim conhecidos os quatro deputados em falta: dois do círculo eleitoral da Europa e outros dois do círculo de fora da Europa.
Até sexta-feira já foram recebidas 299.322 cartas com votos de eleitores no estrangeiro, o que representa 19,4% dos mais de 1,5 milhões de eleitores dos dois círculos. A maioria (77%) saiu da Europa, seguindo-se a América (19%), mas também de outros cantos do Mundo, segundo a Administração Eleitoral. Mas serão contabilizadas as que chegarem até às 17 horas do dia 20. Ainda assim, o número de votos recebidos no mesmo período aumentou 5% face às legislativas de 2022.
Os votos dos emigrantes portugueses podem vir ainda a impactar o resultado final de dia 10, com a eleição de mais quatro deputados, uma vez que a AD (Aliança Democrática) elegeu 79 deputados e o PS 77.
Também até quarta-feira o presidente da República deverá concluir as audições aos partidos que conquistaram assentos parlamentares, faltando, por agora, ouvir o Chega, o PS e a AD. Mas só depois de conhecidos os votos da emigração é que Marcelo Rebelo de Sousa indigitará um novo primeiro-ministro, garantiu Belém a semana passada.