Na Europa, multiplicam-se exemplos de utilização sem custos para utilizadores de sistemas públicos. Por cá, porém, tal medida é aplicada em apenas dois dos 308 municípios (São João da Madeira e Cascais). Especialistas defendem que o caminho passa pela gratuitidade global, a bem do ambiente e da mobilidade.
Corpo do artigo
Em fevereiro de 2020, o Luxemburgo fez história ao tornar-se o primeiro país do Mundo com transportes públicos totalmente gratuitos para toda a população. Um passo do pequeno grão-ducado (632 mil habitantes) rumo à neutralidade climática, meta que pretende atingir em 2050. Mais recentemente, em agosto, o Governo da Áustria anunciou o lançamento do Klimaticket, um "cartão climático" que permite o acesso universal à rede de autocarros, de metro e de comboio. Para já, tem um custo anual, mas a ideia é que se torne tendencialmente gratuito ao longo do tempo. E em Talín, capital da Estónia, os transportes tornaram-se grátis a 1 de janeiro de 2013. Outras cidades europeias seguiram o mesmo exemplo, como as francesas Dunkirk e Aubagne.
Em Portugal, São João da Madeira e Cascais são os únicos municípios que disponibilizam viagens sem custos para habitantes locais.
Em São João da Madeira desde janeiro que o TUS - Transporte Urbano de S. João da Madeira - é gratuito para todos os utentes, sejam residentes no concelho ou não.
Em Cascais, o cartão de acesso aos transportes é válido por cinco anos e obriga somente ao pagamento de sete euros aquando da sua solicitação.
Em Lisboa, o recém-empossado presidente da Câmara, Carlos Moedas, prometeu "transportes gratuitos para os mais novos e mais velhos". No entanto, a medida ainda não passou do plano das intenções. No Porto, quem tem entre 13 e 18 anos pode circular livremente nos meios públicos da rede Andante. A Câmara presidida por Rui Moreira revelou em setembro que a medida chega a 7390 jovens com domicílio fiscal na cidade e que lá estudem e residam.
Bilhética universal foi importante contributo
De resto, são várias as autarquias que assumem os custos das deslocações públicas de idosos e/ou de estudantes. O número concreto não está contabilizado, mas fonte da Associação Nacional de Municípios Portugueses aponta para "centenas de casos nesse sentido." . Mas há quem considere que exemplos de São João da Madeira e Cascais se seguirão em breve.
"Não tenho a mínima dúvida que o caminho passa por aí", afirma convictamente Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia e da Área Metropolitana do Porto (AMP). A Autarquia que lidera assume os custos dos passes para alunos dos 13 aos 18 anos e também do Ensino Superior público e privado residentes no concelho que frequentem estabelecimentos de ensino na AMP.
"A nível geral, foi dado um passo muito importante com a uniformização da bilhética e a redução muito significativa das tarifas. Nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa passámos a contar com transportes em que o cidadão deixou de ter dois ou três passes porque circulava noutros tantos transportes diferentes e passou a contar com um único. Essa simplificação permitiu a redução substancial de custos, com os passes de 30 e 40 euros", explica o autarca.
Até chegar o dia da gratuitidade universal, alternativas podem ser ponderadas. "É preciso criar outros atrativos, que passem obrigatoriamente pelo preço e pela redução do custo da tarifa em função do aumento da utilização", aponta Eduardo Vítor Rodrigues. "Por exemplo, quem utiliza cinco vezes por mês o transporte público deverá pagar mais do que quem o utiliza 30 ou 40 vezes", especifica.
Só investindo no reforço da capacidade é que se pode partir para sistemas mais baratos ou gratuitos
Álvaro Costa, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e investigador especialista em mobilidade urbana e transportes, considera que ainda é cedo para se falar em gratuitidade absoluta no acesso à utilização de transportes em Portugal. "Tal medida dependeria sempre da capacidade de resposta dos operadores. E, como se pode ver pela realidade atual, essa capacidade é muito reduzida face às necessidades, com sistemas bastante congestionados", expressa. "Só investindo no reforço da capacidade é que se pode partir para sistemas mais baratos ou gratuitos. E esse investimento tem sempre de partir do Estado, que tem de criar meios financeiros e estratégias de incentivo nesse sentido", considera.
Álvaro Costa diz mesmo que o uso sem custos dos transportes públicos pode criar um efeito adverso, se não for devidamente estruturado. "Caso a oferta continue exígua, o que irá acontecer é que, se forem de acesso livre, os transportes terão mais utentes, logo ficarão mais congestionados. E isso pode levar a que quem os ponderou utilizar seja repelido de o fazer, optando pelo automóvel, o que levaria a um retrocesso", explica. Tal como Álvaro Costa, Paula Teles, fundadora da Mobilidade e Planeamento do Território (MPT) e do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM), diz que só com uma "aposta forte do Estado" será possível sonhar com transportes de acesso universal e sem tarifário.
Os municípios, sozinhos, terão sempre dificuldades para aplicar a medida porque estão sobrecarregados e sem meios de tesouraria para o fazer isoladamente
"O Governo ainda não refletiu o suficiente sobre essa matéria nem agilizou mecanismos jurídicos e financeiros para tal diretiva, uma negligência grave em termos de mobilidade", realça. Os municípios, sozinhos, "terão sempre dificuldades para aplicar a medida porque estão sobrecarregados e sem meios de tesouraria para o fazer isoladamente".
Paula Teles crê que o transporte público gratuito "vai ser obrigatório e consagrado como um dos direitos principais". A grande questão é saber quando, porque "não há políticas urbanas que apontem nesse sentido" e a demora é um convite ao uso recorrente do veículo particular, com todas as consequências ambientais que daí advêm.
Resta esperar e ir observando exemplos que chegam de vários pontos da Europa, onde circular em transportes públicos é completamente gratuito. Seja qual for a idade, a profissão ou o local de residência.