Se o corpo se tem queixado do tempo frio destes últimos dias, o clima nem por isso. Bem pelo contrário. Com 2020 a marcar recordes de máximos de temperaturas e extremos climatológicos. A década que agora encerrámos foi mesmo a mais quente desde que há registos (1931). Com o presente século a guardar quatro dos dez anos mais tórridos de sempre. Um fenómeno irreversível.
Corpo do artigo
A essa conclusão chegaram os climatologistas do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) no seu boletim para o ano de 2020. Com a ressalva de serem dados ainda provisórios, trabalhados até dia 15 de dezembro. E que nos dizem que "a década 2011-2020 será a mais quente desde 1931 em Portugal continental".
Mas há mais recordes em 2020. Com fevereiro, maio e julho a registarem as temperaturas máximas do ar mais altas desde que há registos (+3,5ºC, +4,4 ºC e +4,6ººC, respetivamente). Aliás, em 12 meses, apenas em dois se registaram anomalias negativas (temperaturas mínimas do ar em junho e outubro).
Ao JN, a climatologista do IPMA Vanda Pires explica que 1991-2000 tinha sido a década mais quente, com uma subida média de 0,47ºC. Ultrapassada agora por 2011-2020: os dados ainda não estão fechados, mas já ultrapassam os 0,5ºC.
2020 sobe 1ºC
Com os termómetros a baterem máximos em meses consecutivos, o ano que findou deverá registar "um desvio padrão em relação à normal [série a 30 anos] de +1ºC", lê-se no boletim climatológico do IPMA. Sendo que as maiores variações tinham sido registadas em 1997 (+1,3ºC) e em 2017 (+1,1ºC). Quatro dos dez anos mais quentes, revela Vanda Pires, registaram-se já neste século.
Os 30ºC na Sibéria
Situação que se repete no Mundo, num ano marcado por inúmeros extremos climatológicos, desde temperaturas de 30ºC na Sibéria ao maior número de ciclones tropicais na bacia do Atlântico Norte. De acordo com os dados da Organização Meteorológica Mundial, 2020 foi um dos três anos mais quentes de sempre. Podendo mesmo igualar ou ultrapassar o de 2016, o mais tórrido de todos.
Face aos valores pré-industriais (1850-1900), a temperatura média do ar no Globo subiu cerca de 1,2ºC. Naquela que será, também, a década mais quente, "com os seis anos mais quentes a ocorrerem a partir de 2015", precisa o IPMA.
E nem a descida histórica de 7% nas emissões de Gases com Efeito de Estufa - graças ao confinamento imposto pela pandemia - impacta. Ou impacta muito pouco. Seriam precisos dez anos a descer àquele ritmo, avisa Filipe Duarte Santos, especialista de renome internacional em alterações climáticas (ler entrevista ao lado).
"Não tem volta. Para o período 2030-2050 não deveria subir mais do que 1,5ºC, mas dificilmente conseguiremos limitar este aumento de temperatura", considera, por sua vez, a climatologista do IPMA. Porque as reduções nas emissões "são pontuais, não são cinco meses que causam grande impacto no que está a acontecer há dezenas de anos", frisa Vanda Pires.
Ano seco
Em sentido descendente está, por outro lado, a precipitação, estimando-se uma redução de 170 milímetros (mm) em 2020, ou seja, 80% face ao normal. Apenas em abril, maio e outubro se registaram valores de precipitação superiores ao normal, precisa o IPMA.
De acordo com os dados facultados ao JN, a precipitação tem vindo a diminuir 20 mm por década. Com seis dos dez anos mais secos neste século.
À lupa
Subida média
De acordo com os cálculos do Instituto Português do Mar e Atmosfera, a temperatura média do ar está a subir, desde os anos 70, a uma taxa de +0,3º C por década, com a última a ultrapassar os +0,5º C. São mais 1,5º C nos últimos 50 anos.
Seca em 2020
Não houve um único mês, em 2020, que uma parte do território não tenha estado em situação de seca. Sendo a incidência maior no Baixo Alentejo e Algarve. Com o Sotavento à míngua, criou-se a reserva estratégica na barragem do Funcho.