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“NFT” é o acrónimo para a expressão inglesa “non-fungible token” (“ativo não fungível”). A utilização de NFT’s foi promovida pela tecnologia blockchain 2.0, que permitiu a tokenização de ativos e o registo desintermediado. Existem vários tipos de tokens e eles podem representar qualquer coisa, como mercadorias, ações ou moedas. De igual modo, qualquer obra digital é capaz de ser transformada num NFT, até mesmo físicas podem ser representadas em algum formato digital, seja por via de fotografia, vídeo ou digitalização. Ao cunhar uma obra como NFT significa que a obra é usada para gerar um único número que é inscrito na blockchain, usando-se uma assinatura digital para o efeito. É este método que permite dar “escassez digital” ao NFT, ser único.
Mas neste âmbito surgem diversas questões. A principal é a de se o adquirente de um NFT que representa uma obra fica com a titularidade intelectual da mesma. Levando em conta as quantias pelas quais estão a ser vendidos vários NFT’s, o senso comum poderá levar-nos a pensar que estamos a adquirir a titularidade dos direitos de autor sobre essas obras.
Porém, a resposta é negativa. Adquirir um NFT, que representa uma obra, não concede, em princípio, a titularidade dos direitos de autor sobre a obra representada. Questões técnicas e jurídicas acompanham este raciocínio. Desde logo, em princípio, o comprador do NFT está apenas a adquirir metadados em relação à obra representada e não a obra em si, ou seja, o NFT não é a obra em si, mas sim apenas um código escrito num blockchain e que contém vários bits de informação. Adicionalmente, a forma como é celebrada a transação levanta também questões respeitantes à solenidade exigida para a transmissão total dos direitos patrimoniais de autor que, pelo menos no ordenamento jurídico português, não se coaduna com a informalidade deste tipo de transações. No mais, dificilmente se conseguirá saber se tal consubstancia uma transmissão total ou apenas de algumas das faculdades de direitos de autor.
Outra questão paralela é a de saber se a geração de um NFT que representa uma obra protegida viola os direitos de autor. Esta hipótese não se trata de um mero exercício teórico. Já existem relatos de vários autores que se queixam que as suas obras estão a ser comercializadas como NFT’s sem qualquer autorização. Em 4 de janeiro de 2022, Aja Trier, uma artista digital que cria obras inspiradas em “A Noite Estrelada” de Vincent van Gogh, descobriu que as suas obras haviam sido cunhadas em 86 mil NFTs e estavam a ser comercializadas em várias plataformas.
Os defensores dos NFT´s encaram este como um mero URL. Sendo apenas um código que representa uma obra, argumentam que não existe qualquer infração aos direitos de autor. Contudo, a resposta contrária parece-nos clara: a transformação e a comercialização de NFT’s que representam obras protegidas constituem prerrogativas que fazem parte do conteúdo do direito de autor e, por isso, exigem a devida autorização do titular. Ao não o fazerem, estão claramente a violar os direitos de autor. Em suma, a mera existência de um NFT, sob o qual a sua propriedade é reivindicada e inscrita na blockchain, não significa que seja genuíno. A quantidade de conflitos que essa situação pode gerar ainda se encontra no seu estágio inicial. Adivinha-se um grande volume de litigiosidade sobre direitos de autor e NFTs. Mais duvidoso é, no entanto, a mera criação do NFT, sem ter qualquer obra digital associada. Neste caso, tendo em conta que o NFT é apenas um código, torna-se mais controverso a existência de infração aos direitos de autor.
Na próxima semana:
Quem detém a propriedade de uma imagem gerada por inteligência artificial?