Estimativas do INE confirmam agravamento: por cada dois idosos há um jovem em Portugal. Nunca tivemos tão poucas crianças na faixa 10-14 anos. População volta a aumentar, apesar da redução de imigrantes permanentes. Somos agora mais de 10,7 milhões.
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É um escalar do inverno demográfico. Nunca a população residente foi tanta: somos mais de 10,7 milhões, graças à imigração, que mesmo assim desacelerou no ano passado. Mas nunca fomos tão velhos: temos agora 192,4 idosos por cada cem jovens e um quarto da população tem já mais de 65 anos. Se recuarmos a 1970, nunca o país teve tão poucas crianças na faixa etária 10-14. Mas dos 50 anos em diante, estamos em máximos.
De acordo com as estimativas de população residente ontem divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no ano passado, Portugal registou um crescimento efetivo de 1,03%, para 10 749 635 pessoas. São mais 110 mil, naquele que é o sexto ano consecutivo de aumento de residentes feito à custa da imigração. No ano em análise, contabilizaram-se 177,6 mil imigrantes permanentes, num decréscimo de 6,2% face a 2023, quando fechou perto dos 190 mil. Como as saídas estabilizaram na casa das 34 mil, o saldo migratório fechou positivo em 144 mil: contando com o de 2023 (+156 mil), é preciso recuar a 1974-1975 para registar valores superiores.
Compensou-se, assim, a quebra na natalidade, que agravou o saldo natural (diferença entre óbitos e nascimentos), no vermelho desde 2009, para -33 732, sendo o quarto mais negativo desde, pelo menos, 1960. Os nascimentos fecharam abaixo dos 85 mil (-1,2%) e inverteram a tendência de subida iniciada em 2022, depois da quebra histórica registada em 2021, fazendo com que a taxa bruta de natalidade (nascimentos/mil habitantes) caísse para 7,9. Pior só mesmo no já referido ano de 2021 (7,6/mil), igualando os valores registados em 2013 e 2014, quando o país lidava com a troika. De notar que a taxa de mortalidade está a descer desde 2022.
Envelhecimento imparável
Mas se analisado o envelhecimento, pior do que nós só mesmo a Itália, com o contínuo estreitar da base da pirâmide etária e alargamento do topo. No ano passado, 24,3% da população tinha 65 ou mais anos, quando a faixa etária até aos 14 anos não chegava a 13% do total. O gabinete de estatísticas nacional, recorde-se, calculou em 81,49 anos a esperança média de vida à nascença e em 20,02 anos aos 65 anos para o triénio 2022-2024.
O JN recuou nas bases de dados do INE até 1970 e constatou que, desde então, nunca o país teve tão poucas crianças no grupo etário 10-14 anos: não chegam a 477 mil, que compara com o máximo de 863 mil registado em 1976. Já nas faixas etárias acima dos 50 anos nunca teve tantos residentes.
O índice de envelhecimento é assim puxado para o valor mais alto desde 1970, pelo menos, ao fixar-se nos 192,4 idosos por cada 100 jovens até aos 14 anos. Quando, dez anos antes, estava no 141,9. Mas há variações de fundo no território, com quatro distritos do Interior a registarem um índice superior a 300, sendo que a Guarda estava mesmo perto dos 400 (ver infografia).
Valores que se cruzam, também, com o aumento da população residente em números absolutos. Com Lisboa, sem surpresa, a liderar: +8608 habitantes face a 2023. Seguindo-se, no top 5, Sintra (+5419), Porto (3918), Seixal (3720) e Amadora (3354). Em sentido contrário, Guimarães (-276), Felgueiras (-206), Portalegre (-160), Cinfães (-139) e Resende (-134). Contas feitas, 30% dos 308 municípios perderam residentes.
Dependência dos inativos
E se, a cada ato eleitoral, a sustentabilidade da Segurança Social vem à baila, atentemos nestes três indicadores. Primeiro, a população em idade ativa (15-64) está estagnada nos 63%. Segundo, por cada cem pessoas que estão a sair do mercado de trabalho (55-64 anos) entram 77,4 (20-29). Quando, há dez anos, este índice de renovação da população em idade ativa estava nos 80,7.
Por último, por cada cem pessoas em idade ativa temos agora 58,7 jovens e idosos. Voltando às séries do INE, o índice de dependência total, assim se chama, está no valor mais alto desde 1979 (na década de 70 do século passado esteve sempre acima de 60).
Fecundidade em queda
A registar, ainda, a inversão da tendência de crescimento do índice de fecundidade iniciada em 2022. No ano passado, este indicador, que apura o número médio de crianças nascidas por mulher em idade fértil (15-49 anos) caiu para 1,40 (antes, 1,44), recuando para valores de 2017, quando estava nos 1,38. A percentagem de mulheres em idade fértil no total da população feminina continua a descer, estando nos 40%.
"Sem saldos migratórios bastante positivos, seríamos menos”
Maria João Valente Rosa, demógrafa, professora na FCSH da Nova, aceitou analisar os dados do INE para o JN.
A imigração é a nossa tábua de salvação?
No sentido de não vermos diminuir a população. Sem saldos migratórios bastante positivos, seríamos claramente menos. Depois, entre 2023 e 2024, os nascimentos diminuíram em 1057. Porém, se só tivessem nascido crianças cujas mães tivessem naturalidade portuguesa, a quebra teria sido de cerca de quatro mil.
Enquanto o envelhecimento segue imparável.
Faz-se por duas vias: pela base – que tem a ver com a fecundidade e o número de mulheres em idade fértil refletindo-se nos nascimentos – e pelo topo. Temos aqui o efeito de gerações significativas, de um período de elevada natalidade, que começam a atingir as idades superiores. Vivemos um reforço do passado, porque são gerações numerosas, e um reforço do presente, porque a mortalidade diminuiu bastante.
Com a população ativa estagnada.
Entre 2015 e 2024, a população aumentou em 381 mil, mas não em todas as idades. O número de pessoas diminuiu até aos 18 anos, dos 19-30 aumentou, dos 31-45 diminuiu e depois aumentou. E este grupo a meio que aumentou coincide com a intensidade de imigração mais elevada. Se não fosse a parte imigratória, tinha diminuído em todas as idades.
Pressionando a Segurança Social (SS).
Em 1971, por cada pessoa com 65 ou mais anos existiam 6,4 pessoas com 15-64. Hoje, o valor é de 2,6, é menos de metade. O modelo de SS é muito virtuoso, e importante na altura em que foi concebido, mas não tem nada a ver com as realidades atuais. Salvar a SS não é persistir no que existia, mas adequar aos tempos modernos. Senão, o risco é grande.