De um lado, vacinar os mais novos para reduzir os contágios de covid-19 e promover a sua estabilidade emocional, social e escolar, porque a vacina é segura. Do outro, os números reduzidos de doença grave nas crianças e as dúvidas com os efeitos a longo prazo. O tema angustia pais e divide profissionais de saúde.
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Na hora de levar um filho a ser vacinado, a generalidade dos pais portugueses segue o Plano Nacional de Vacinação sem hesitações. Mas a vacinação contra a covid-19 levanta dúvidas e angústias, por se tratar de uma doença nova e de vacinas criadas em tempo recorde. Para quê vacinar as crianças saudáveis se não têm doença grave? Vão ser vacinadas para proteger os adultos? Que efeitos adversos podem ter?
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Os números dizem que os novos casos de covid-19 em crianças têm vindo a aumentar. Segundo a Direção-Geral da Saúde, (DGS) mais 5700 testaram positivo na última semana e há uma criança infetada por cada 100. E é para travar a onda crescente de contágios, numa altura em que ganha terreno a nova variante ómicron do coronavírus SARS CoV-2, que vai avançar a vacinação de crianças dos 5 aos 11 anos, depois de os jovens dos 12 aos 15 terem sido vacinados antes do início do ano letivo. Há cerca de 638 mil crianças elegíveis. Uma decisão tomada tendo em conta os benefícios "individuais e de saúde pública".
Baixar contágios e internamentos
O risco de doença grave e morte numa criança com covid-19 é baixo, mas existe: morreram cinco pessoas com menos de 19 anos desde o início da pandemia em Portugal.
Aos pais de crianças saudáveis com dúvidas na vacinação, a cardiologista pediátrica do São João (CHUSJ), Maria João Baptista, lembra que "o número de crianças infetadas está a aumentar, e não sabemos se o vírus irá ter alguma variante mais agressiva para com as crianças".
Entre os 5 e os 11 anos, há 69.763 casos notificados até 5 de dezembro, mas o epidemiologista Manuel Carmo Gomes diz que são milhares as crianças que não têm sintomas e as infeções que não são detetadas. Neste caso, explica, vacinar quem já foi infetado tem a vantagem de aumentar os anticorpos.
Com 85% das crianças vacinadas, será possível evitar 13.520 infeções e 52 internamentos hospitalares até março de 2022, segundo a Comissão Técnica de Vacinação para a Covid-19 (CTVC). "Na Europa, 78% dos internamentos com estas idades são de crianças que não têm outras doenças", de acordo com o imunologista Luís Graça, da CTVC. "Há milhões de crianças já vacinadas e não há reporte de situações que ponham em causa a segurança destas vacinas", garante.
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A vacinação permite que a criança seja "menos capaz de transmitir a infeção" a terceiros, diz o virologista José Miguel Pereira, uma vez que, se for infetada, a sua carga viral será mais reduzida do que se não estiver vacinada. Assim, poderá seguir-se o fim do isolamento de turmas inteiras por causa de um contacto de risco. Nesta quinta vaga da pandemia, é nas escolas que têm surgido mais surtos: são 378 num total de 614 - no inverno passado o foco estava nos lares de idosos, população que agora já está imunizada.
É neste sentido que vai a posição da Sociedade Portuguesa de Pediatria: provada a segurança e eficácia da vacina, "poderá ser considerada a sua aplicação neste grupo etário, se isso permitir trazer normalidade à vida das crianças".
Miocardites e imunidade
Do lado dos argumentos contra a vacinação massiva entre os 5 e os 11 anos estão os efeitos adversos e o desconhecimento em relação às consequências para as crianças no futuro.
Jorge Amil Dias, pediatra e presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, é muito claro: é "desproporcionada" e "desnecessária".
"Cerca de 200 mil crianças já contactaram com o vírus, já adquiriram anticorpos contra o vírus, porque o contacto com a infeção causa imunidade natural", ou seja, "pelo menos um terço das crianças desta faixa etária já estão naturalmente imunizadas".
Aponta ainda os custos de implementar um programa de vacinação "que não vai acrescentar muito mais do que aquilo que a natureza está a fazer sozinha".
"Se a imunidade se for perdendo ao fim de algum tempo, como se verificou nas pessoas que já foram vacinadas, vamos vacinar as crianças a cada três meses?", questiona.
Acresce o facto de estarmos a "usar um produto que não foi testado em termos de garantia de segurança a médio e longo prazo. Nos adolescentes, ainda não se sabe se as miocardites após um, cinco, dez anos vão causar algum tipo de limitação na qualidade de vida", defende.
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No mesmo sentido, Cristina Camilo, presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos da Sociedade Portuguesa de Pediatria, disse ao JN que "ninguém sabe o que vai acontecer a médio e longo prazo com estas vacinas, não houve tempo para estudar isso, como acontece com as outras vacinas, que levam anos até chegar ao mercado. No caso dos adultos, temos de assumir o risco, porque a covid-19 pode ser muito grave. Agora, nas crianças porquê arriscar?"
A pediatra recorre ao número de crianças com doença grave para não recomendar a vacinação massiva nesta faixa etária: quatro crianças com covid-19 agudo, das quais três pertenciam a grupos de risco, e 26 com síndrome inflamatória multissistémica associada ao SARS-CoV-2. "São 0,04% de todos os infetados. Estatisticamente falando, o número é mínimo."
Para Cristina Camilo, a questão do isolamento e de mandar turmas para casa não se resolve com a vacinação mas com a alteração desta decisão "que está errada e deve ser corrigida".
Também a Ordem dos Enfermeiros não recomenda vacinação de crianças, considerando que os benefícios de saúde individuais decorrentes da vacinação de crianças saudáveis serão "limitados", face aos dados conhecidos até ao momento.
Perante um tema que não é consensual, "é legítimo que toda a gente tenha dúvidas, mas é importante que elas sejam esclarecidas junto de um pediatra", aconselha Miguel Prudêncio, do Instituto de Medicina Molecular.
Primeiras vacinas no dia 13
As primeiras 300 mil vacinas para crianças, do consórcio farmacêutico BioNTech/Pfizer, chegam a Portugal no dia 13. Durante o mês de janeiro chegam mais 400 mil vacinas.
Dose pediátrica
As vacinas para a faixa etária dos 5 aos 11 anos têm um terço da dose de um adulto (de 10 microgramas, contra os 30 microgramas). Também há duas doses, com intervalo a definir pela DGS. Quem esteve infetado recebe uma dose de reforço.
Plano de vacinação
O processo de vacinação deve começar pelas crianças de 11 anos, seguindo-se as faixas etárias abaixo de forma decrescente, como aconteceu nos adultos, com prioridade para as que têm doenças consideradas de risco para covid-19. A Direção-Geral da Saúde e o Ministério da Saúde remetem mais esclarecimentos para uma conferência de imprensa na sexta-feira.