Vendas de herbicida cancerígeno aumentam e só 7% dos municípios deixaram de o usar
Herbicida perigoso continua a ser o mais comercializado em território nacional. Com a ajuda da Quercus, 21 câmaras e 51 juntas de freguesia abandonam o uso de químicos.
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As vendas de glifosato em Portugal têm vindo a crescer e, em 2021, foram vendidas mais de 1800 toneladas deste herbicida perigoso para a saúde pública. Dos 308 municípios do país, apenas 21 (cerca de 7%) e 51 juntas de freguesia deixaram de utilizar glifosato ou qualquer produto semelhante em áreas urbanas, segundo a Quercus.
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O herbicida - apontado pela Organização Mundial de Saúde desde 2015 como potencialmente cancerígeno, com riscos para a saúde humana e para o ambiente -, tem-se mantido, ao longo dos anos, como o mais comercializado em território português para controlar plantas infestantes (vulgo ervas daninhas). Até ao fim do ano, a Comissão Europeia terá de decidir se prolonga ou não a licença deste herbicida na Europa.
De acordo com os relatórios anuais da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, as vendas diminuíram 22,7% entre 2014 e 2017, mas desde 2018 que crescem em flecha (ver infografia). Os últimos dados, publicados este mês, mostram que, em 2021, foram alienadas 1829 toneladas de glifosato, mais 527 toneladas face a 2017, representando 77,8% das vendas de herbicidas em Portugal.
"Após os grandes incêndios [em 2017], a falta de meios para limpar o território pressionou muito a população e várias entidades para o uso de herbicidas em larga escala. Por outro lado, com o avanço da agricultura intensiva, começámos a verificar, cada vez mais, o uso em áreas florestais" explica, ao JN, Alexandra Azevedo, presidente da Quercus e coordenadora da campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas. Embora o Governo se comprometa a incentivar o uso sustentável de fitofarmacêuticos, as estatísticas nacionais refletem que "as preocupações manifestadas se contradizem pelas práticas".
Retrocesso nas eleições
Desde que a Quercus lançou - em colaboração com a Plataforma Transgénicos Fora (PTF) - a campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas, em março de 2014, cerca de 25 câmaras e 63 juntas de freguesia do Norte ao Sul do país, incluindo nas regiões autónomas, comprometeram-se a trocar os herbicidas por outras alternativas naturais.
Alexandra Azevedo ressalva que, entretanto, houve municípios a juntar-se à campanha e outros que saíram. Após as autárquicas, as mudanças nos executivos foram, para muitas câmaras, o necessário para dar o passo em frente. Para outras, significou o retomar dos químicos. Há algumas autarquias que já abandonaram os herbicidas, mas não constam, ainda, da lista final, pois "estão numa fase experimental para perceber se têm condições para manter o compromisso".
Embora seja o setor da agricultura o que mais consome pesticidas, Portugal deu, em 2017, um passo importante para diminuir a dependência dos químicos, proibindo o uso em espaços públicos (ler "Saber Mais"). Mas a Quercus tem recebido queixas de incumprimento da lei, com risco de expor as populações a tóxicos. "Acredito que aconteça em zonas frequentadas pela população em geral por desconhecimento da lei e por falta de fiscalização", alerta a responsável. Apesar destes "retrocessos", Alexandra Azevedo crê que Portugal tem condições para seguir o exemplo de outros países europeus que já legislaram uma proibição completa de pesticidas nas cidades. "Estamos a trilhar esse caminho. Com persistência e políticas públicas, chegaremos a esse objetivo", avalia.
Em 2021, foram vendidas mais de 355 mil toneladas de pesticidas na União Europeia, de acordo com o Eurostat. Nesse ano, foram alienadas 9583 toneladas de produtos fitofarmacêuticos em território nacional. Portugal tinha o 6.º maior mercado de pesticidas entre os 26 estados-membros que dispõem dados. Ainda assim, é dos países onde, entre 2010 e 2021, diminuiu, de forma mais acentuada, a venda de químicos.
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Espaços públicos
Desde janeiro de 2017 que, em Portugal, é proibido usar não só o glifosato como qualquer produto fitofarmacêutico em espaços públicos, como jardins e parques urbanos, jardins infantis, parques de campismo, hospitais e outros locais de prestação de cuidados de saúde, estruturas residenciais para idosos e estabelecimentos de ensino. Só é possível aplicá-los em situações excecionais.
Proteção integrada
Portugal adotou, em linha com a Europa, uma estratégia de proteção integrada de várias culturas, com vista a uma produção agrícola saudável com a menor perturbação possível para os ecossistemas e que prioriza o uso de soluções naturais ou mistas no combate de inimigos. Nesse seguimento, desde 2014 que é obrigatório, por lei, usar apenas produtos químicos em último caso. Segundo a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, a produção de abacate, de arroz, de hortícolas e da vinha são algumas das várias culturas em território nacional que seguem, atualmente, programas de produção integrada