Da carne às amêndoas, maioria prefere ter margem de lucro menor e continuar a vender, para que a inflação não deixe a mesa vazia nesta época.
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Não fosse a contenção no aumento de preços daqueles que produzem as iguarias típicas da Páscoa, e o cabaz este ano ficaria ainda mais caro. Que o diga a padeira Ana Ratola, de Vale de Ílhavo, que por estes dias mal dorme para conseguir atender clientes de "todo o país", que pedem folares. "A colocarmos no preço o aumento dos ingredientes principais, como a manteiga, os ovos e o açúcar, teríamos que cobrar o dobro. Mas só aumentamos 20 cêntimos", diz. O folar pequeno sem ovo (meio quilo) custa agora 3 euros e com ovo tem o valor de 3,10 euros.
"Só subi os preços no início do ano", diz agora Olinda Marques, que há meio século faz bolo de Ançã (uma espécie de folar sem ovos a decorar), tradicional daquela localidade de Cantanhede. O preço passou de 2,5 euros no ano passado para 3 euros em janeiro. "Isto não está fácil para ninguém. Como não é um bem de primeira necessidade, se formos aumentar muito, as pessoas deixam de procurar", diz a boleira, explicando que não sentiu falta de clientes nesta Páscoa.
No restaurante Pedro dos Leitões, na Mealhada, não faltam reservas para os dias da Páscoa. Mas nas últimas semanas "notou-se quebra" nos almoços e jantares, admite o gestor Filipe Castela. O restaurante, que aumentou o valor do leitão à Bairrada no final do ano passado, decidiu nesta época "manter os preços", cortando na margem de lucro. A razão explica-se com facilidade: "Se o cliente não tem dinheiro, não sobrevivo. Mas tenho salários e impostos para pagar", desabafa Filipe Castela. Um leitão inteiro, que "dá para oito pessoas", custa, naquele estabelecimento, 160 euros.
Para além destes produtores e comerciantes, há outros que o JN foi conhecer de perto. Em Viana do Castelo faz-se um sacrifício para manter o preço do cabrito, borrego e até do pão de ló. Em Valpaços, o aumento de um euro no folar não compensa a subida das matérias primas. Por Moncorvo, a subida da amêndoa não trava a procura.
Valpaços - Folar mais caro um euro não compensa
Devido ao aumento da inflação e consequente encarecimento de todas as matérias-primas, Rui Conde teve de aumentar um euro ao preço do folar na Padaria Juvenal, em Valpaços. "O custo dos ovos duplicou. A farinha, a margarina, o fumeiro... tudo aumentou, pelo menos, para o dobro", lamenta. Por isso não teve alternativa senão subir o preço final. Mas longe de pensar em duplicá-lo, "senão o cliente não o comprava". O ano passado vendeu o quilo de folar a 12 euros, este ano subiu para 13. "Um aumento razoável, mas que não cobre o acréscimo dos custos de produção". Para ter "prejuízo não dá, mas o lucro fica mais reduzido".
Na Padaria Juvenal trabalham 10 a 12 pessoas, consoante as épocas de maior azáfama, como é o caso da Páscoa. Rui Conde explica que fabrica e vende folar certificado de Valpaços durante todo o ano. Envia por correio para todo o país e para o estrangeiro, mas para a Feira do Folar de Valpaços, que decorreu no fim de semana passado, e durante esta semana, "são produzidas muitas centenas".
Se os preços das matérias-primas continuarem a subir, admite que a produção possa baixar, pois "o cliente, que já tem poder de compra mais baixo, vai comprar ainda menos e com uma quebra de vendas não se pode produzir tanto".
O folar certificado de Valpaços leva presunto, salpicão, linguiça e carne gorda, tudo produzido na região, bem como farinha, ovos, sal, margarina e fermento. Vai ao forno durante 45 minutos. Cada fornada equivale a 150 folares.
A fábrica da Padaria Juvenal fornece não só o próprio posto de venda na cidade, como dois outros estabelecimentos geridos por irmãos de Rui Conde.
Texto: Eduardo Pinto
Viana do Castelo - Cabritinhos mantêm preços do ano passado
O pastor Jorge Gomes, 40 anos, sobe a serra d"Arga, no Minho, com o rebanho, todos os dias. Chova ou faça sol, as suas mais de 170 cabras têm de comer. E o ciclo da criação não pode parar. "Aqui vende-se cabrito todo o ano", diz ao JN. Para vender nesta quadra, este ano a 10 euros por quilo de animal vivo, o pastor de S. Lourenço da Montaria, em Viana do Castelo, andou com as cabras que emprenharam no verão, debaixo de olho. "Para ter cabritos para a Páscoa, têm de nascer pelo Natal. As cabras tem de emprenhar em julho ou agosto e, depois de elas os parirem, tenho de andar durante 15 dias a vigiar se elas os aceitam e se lhes dão de mamar", explicou, adiantando que para serem comercializados os animais tem de chegar a esta altura "com cinco a sete quilos". "Os que nascerem mais tarde, ficam para o verão", explica.
Habituado à serra e a criar cabras, ovelhas e vacas, praticamente desde a infância, Jorge conta que não foi bafejado, este ano, pela sorte. "Morreram-me muitos. Não foi tão bom como nos outros anos. Algumas cabras abortaram por causa de uma bactéria que apanharam. Tive de vaciná-las contra isso", lamentou, contando que há três anos comprou 70 cabras em Ponte de Lima "e foram essas que me trouxeram a bactéria".
O seu rebanho já teve à volta de 300 cabeças. Neste momento, tem pouco mais de metade. "Por causa da bactéria e do lobo. Atacou lá para baixo. Há uma zona de austrálias e as cabras ao passar, ele apanha-as", contou, referindo que "o lobo tanto anda aqui [na zona de S. Lourenço da Montaria], como em Cerveira ou Outeiro".
Garante que, nesta altura, "mais cabritos tivesse, mais vendia". "Não falta gente a pedir, mas não tenho. Ainda no outro dia, um pediu-me 10, só lhe vendi oito. Disse-lhe que depois da Páscoa arranjo mais", referiu, indicando a qualidade da carne da serra como razão de ter sempre procura. "Em muito talho e supermercado vendem borrego por cabrito. Tenho tido queixas", concluiu.
Texto: Ana Peixoto Fernandes
Viana do Castelo - Nem a covid fez subir preço do pão de ló
Nazaré Franco, da padaria Vianense, uma casa com mais de 60 anos, na ribeira de Viana do Castelo, está a vender o pão de ló ao mesmo preço de anos anteriores, 15 euros por quilo, embora as matérias primas aumentem todos os dias. "Ovos, farinha e açúcar. aumentou tudo. E agora, que vão tirar o IVA, ainda estão a subir mais", comenta.
"O preço do nosso pão de ló, mantém-se desde antes da covid, porque as pessoas não têm poder de compra. Fazemos esse sacrifício. Vemos que algumas vêm com moedinhas ou pedem para pagar no fim do mês", refere.
Nazaré é proprietária do estabelecimento, com o marido, o padeiro e pasteleiro João Franco. Vendem o pão de ló tradicional, cozido no forno de lenha, em forma de barro. Todo o ano. Natal e Páscoa são as épocas fortes.
"Começamos a cozer na sexta-feira de manhã e paramos no sábado à tarde. Enchemos o forno e vamos vendendo. As pessoas levam o pão de ló quente", remata.
Texto: Ana Peixoto Fernandes
Moncorvo - Quilo de amêndoa custa mais dois euros
A crise ainda não chegou à amêndoa coberta de Moncorvo, um produto artesanal único no país, cuja qualidade galgou fronteiras e tem sempre saída na Páscoa, mesmo com uma subida ligeira dos preços este ano. "Houve um ajustamento dos valores porque subiu tudo", justificou Dina Morais, da Arte, Sabor e Douro, a primeira produtora a ter certificação regulamentada pela União Europeia, em 2018.
O quilo da amêndoa subiu de 50 para 52 euros e os pacotinhos de vários tamanhos custam mais um euro: de 5 para 6 euros, de 7,5 para 8,5 e de 12,5 para 13,5 . "As expectativas das vendas para a Páscoa são boas. Quem compra habitualmente não deixa de comprar por causa da subida do preço. Pode é comprar menos quantidade", explicou a produtora. Há várias semanas que na Arte, Sabor e Douro se trabalha a todo o gás para produzir para a Páscoa. "Temos tido muitas encomendas de clientes de fora da região", acrescentou.
A procura por este doce ganhou um novo impulso desde que foi considerada uma das sete maravilhas da doçaria portuguesa em 2019 . "Não sei quanto produzimos por ano. Porque se comprar 50 quilos de miolo de amêndoa nem toda dá para cobrir. É escolhida. Só uso a que tem qualidade", descreve Dina Morais .
A produtora vende as amêndoas para lojas da especialidade em todo o país, como a Alberto Augusto Leite, no Porto, onde o produto subiu "uns cêntimos", indicou uma fonte da confeitaria, com os preços entre 40 a 52 euros o quilo.
O processo de confeção é lento: demora cerca de uma semana.
Texto: Glória Lopes