Amanda Laviola foi mãe de uma menina em 2020 e afirma ter sido vítima de violência obstétrica. Durante o parto no Porto, a brasileira conta que foi maltratada, vítima de atitudes xenófobas e alvo de procedimentos sem o seu consentimento. Lígia Morais, uma das fundadoras do Observatório de Violência Obstétrica em Portugal (OVO), garante que, todas as semanas, recebem entre seis a dez queixas. Este domingo, saem à rua em protesto em várias cidades do país, incluindo Porto e Lisboa.
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Já era noite quando, a 11 de março, Amanda deu entrada no hospital. Passado algumas horas, induziram-lhe o parto e, sem o seu consentimento, "fizeram o descolamento de membranas, apesar de eu e a bebé estarmos estáveis", recorda a mãe. "O procedimento foi intensamente doloroso, foi como uma sessão de tortura para mim". Enquanto lhe administravam a anestesia, ouviu constantes comentários sobre o seu o sotaque e o país onde nasceu, o Brasil.
"Uma profissional disse-me: mas tu não és brasileira? O seu povo não se diz tão alegre? Onde está sua alegria agora?", frisa, relembrando a descrença dos profissionais nas queixas de dor, assim como quando começou a sentir falta de ar. "Disseram-me que não tinha aprendido a respiração no curso de preparação para o parto", assinala Amanda, que perdeu a conta à quantidade de pessoas que lhe fizeram o toque.
No momento em que lhe pediram para fazer força para que a bebé nascesse, uma das médicas "reclamava e dizia que estava a fazer mal". Foi, então, que, mais uma vez sem o seu consentimento, realizaram "uma episiotomia, usaram a ventosa e a manobra de kristeller e arrancaram a minha filha de dentro de mim".
"A Organização Mundial de Saúde diz que é fundamental garantir que o parto não só seja seguro, como uma experiência positiva para as mulheres. Para mim não foi", sublinha Amanda, que se queixou à Entidade Reguladora da Saúde.
"Esta é a Luta que vos Pariu"
Numa luta contra a indiferença por parte dos decisores políticos e dos médicos, face às reivindicações feitas pelas mulheres neste último ano, o Observatório de Violência Obstétrica em Portugal (OVO) decidiu sair, este domingo, à rua, em diversos pontos do país, para se manifestar. "Para que o dia 6 de Novembro seja apontado como o Dia pela Eliminação da Violência Obstétrica em Portugal, vamos mostrar que a violência obstétrica existe e tem de ser combatida com seriedade".
O OVO é contra o encerramento de maternidades públicas e o crescimento do sistema privado de saúde. Os responsáveis pelo observatório acredita ser necessária e urgente a reestruturação dos serviços de saúde da mulher e da saúde materno-infantil. através da implementação de um sistema que integra locais adequados para a vigilância e a assistência ao parto de grávidas de baixo risco, modelo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para uma experiência de parto positiva.
Seis a dez relatos de violência por semana
"Todas as semanas, recebemos entre seis a dez relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica", afirma Lígia Morais, uma das fundadoras do Ovo. A violência pode ocorrer de diferentes formas e, dentro da mesma situação, podem acontecer várias.
Os maus-tratos físicos podem ser, por exemplo, amarrar a parturiente à maca, restringir a liberdade de movimentos, realizar manobra de Kristeller ou manobras de indução de parto, sem consentimento ou indicação clínica, a negação ou a imposição de alívio de dor e a raspagem dos pelos púbicos.
Ameaçar, coagir, humilhar, discriminar, gritar ou omitir informação sobre o estado de saúde do bebé ou sobre o decorrer do parto são alguns exemplos de maus-tratos psicológicos.
"Por vezes, o toque é replicado por dez vezes e sem o consentimento da mulher", ressalta Lígia Morais. Os sucessivos toques invasivos e/ou agressivos são uma violência sexual, assim como a realização de episiotomia.
As intervenções feitas sem consentimento, o desrespeito pela recusa, a interferência desnecessária no processo de parto (por exemplo, com vista à sua aceleração), a supressão da autonomia da mulher, a omissão ou a recusa de cuidados e as práticas contrárias às recomendações da Organização Mundial de Saúde são, também, formas de violência obstétrica.
Segundo o OVO, em Portugal, estima-se que uma em cada três mulheres foram vítimas de violência obstétrica. "Há mulheres que não têm noção do que está a acontecer e só se apercebem anos mais tarde", conclui Lígia Morais.