Autarcas admitem falhas no modelo de descentralização, mas querem ANMP unida e forte para arranjar soluções.
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Luísa Salgueiro não foi apanhada de surpresa pela proposta de saída da Câmara do Porto da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP). "O dr. Rui Moreira falou comigo na semana passada e disse-me que ia avançar e eu apelei a que não o fizesse", disse em conferência de Imprensa. O que não aconteceu com vários autarcas que, surpreendidos, não concordam com a forma usada por Moreira. Embora apontem falhas ao modelo de descentralização, nomeadamente às verbas a transferir para os municípios. O PSD Porto foi mais longe e defendeu a suspensão do processo.
"Creio que não traz nada de bom ao que deve ser o relacionamento das autarquias com o Governo e das autarquias entre si", aponta Miguel Alves, presidente do Conselho Regional do Norte. O socialista teme que ambas as partes fiquem enfraquecidas, caso a saída se confirme. "Só seremos fortes se estivermos juntos e o Porto é fundamental pela força e dinâmica que tem", defende o autarca de Caminha. Admite que há também o risco de a autarquia ser acusada de "centralismo".
Falar nos locais próprios
Hélder Sousa Silva, presidente dos Autarcas Social-Democratas, compreende a contestação do autarca do Porto. "Concordo a 100% com o dr. Rui Moreira com a forma desastrada como o Governo lidou com o processo", afirma. Recorde-se que vários municípios têm contestado a insuficiência das verbas a transferir nas áreas da Educação e Saúde. No caso do Porto, o presidente da câmara estima serem necessários mais de 67 mil euros para a manutenção e conservação de cada escola do município, quando o Governo apenas transfere 20 mil.
O também autarca de Mafra salienta, no entanto, que Rui Moreira tem perdido a "oportunidade" de contestar nos "fóruns próprios da ANMP". "Nunca vi o dr. Rui Moreira a levantar a voz, com o fundamento que eu lhe reconheço, relativamente à sua discordância" nos congressos da representante dos municípios.
À Lusa, Rui Santos, autarca de Vila Real, salientou que o autarca do Porto não esteve presente nos congressos da ANMP em Aveiro e em Vila Real, acusando-o de querer agora um "tratamento de exceção". Vários autarcas vieram defender a nova presidente da ANMP, recordando que foi eleita em dezembro e que o Governo tomou posse há 13 dias.
Moedas oferece mediação
Rui Moreira, que leva a proposta a reunião de câmara no dia 19, acusa a ANMP de conivência com o Governo, apontando o "total fracasso" em desempenhar funções "que lhe estão estatutariamente atribuídas" e acusando-a de fazer acordos "nas costas" dos municípios. Esta terça-feira, o autarca do Porto disse querer negociar diretamente com o Governo: "Eu não passo um cheque em branco à ANMP para negociar aquilo que ainda podemos negociar".
Os sociais democratas do PSD Porto têm a mesma opinião e acusam a associação de ter uma postura de "reverência" face ao Governo: querem a suspensão da descentralização e a renegociação dos prazos. Moreira lembrou que lhe foi prometida uma reunião com a ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, e com o ministro da Educação, João Costa. O JN questionou as tutelas, mas não obteve resposta.
De manhã, Luísa Salgueiro apelou à "solidariedade" de Moreira para ultrapassar as divergências. Mas, durante a tarde, endureceu o discurso. "Em momentos de dificuldade não se abandona o barco", disse. A autarca de Matosinhos utilizou o exemplo de Carlos Moedas para referir que é dentro da ANMP que se devem resolver os problemas. " Para termos legitimidade, temos de aparecer nos momentos certos".
O autarca de Lisboa disse que, apesar de ter assinado uma carta conjunta com Rui Moreira a pedir o adiamento do processo, acredita que a solução passa pela moderação. "É importante estarmos unidos na ANMP. Eu vou trabalhar para termos uma voz unida junto do Governo".
Prazos
A transferência de competências da Educação e da Saúde terminou a 1 de abril. Autarcas de Lisboa e Porto pediram o adiamento. O prazo da Ação Social foi prorrogado até 2023.
Montantes
As verbas transferidas para as câmaras têm sido contestadas. Rui Moreira estima precisar de mais de 67 mil euros para cada escola, mas diz que o Governo transfere apenas 20 mil.
Transferência
De acordo com os dados mais recentes do Portal da Transparência do Governo, 125 autarquias aceitaram as competências na Educação (45%) e 57 na área da Saúde (28%).
Competências
No caso das escolas, a transferência implica a posse dos estabelecimentos, a contratação de pessoal não docente e a gestão de outros serviços como as refeições e a segurança.
Assinar um auto
Na Saúde, a transferência só se torna efetiva mediante a assinatura de um auto entre as autarquias e a administração central. Na Educação, a transferência é imediata.
Recusa
Autarcas ouvidos pelo JN em março não aceitaram competências, sobretudo na área da Saúde. O Governo comprometeu-se a atualizar os valores, de acordo com a ANMP.