O Governo vai voltar a impor um mecanismo-travão para evitar uma descida abrupta dos preços dos medicamentos em 2022 e eventuais ruturas no mercado por desinteresse das farmacêuticas em produzi-los.
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Desta vez, a limitação faz-se por intervalos de preços. Porém, os fármacos mais baratos, com custo máximo para o público de 15 euros, não terão qualquer descida.
Todos os anos, ao abrigo da Portaria 195-C/2015, é feita uma revisão dos preços dos medicamentos, com base nos valores praticados em países de referência. O objetivo é reduzir os custos para os sistemas de saúde, mas as descidas têm, por vezes, um efeito perverso. Quando os preços baixam de mais, a indústria farmacêutica perde o interesse no produto e deixa de produzi-lo, o que provoca falhas de abastecimento e prejudica os doentes. Um problema que existe há vários anos e que levou à introdução do mecanismo-travão, agora reativado. Este mecanismo é uma exceção à portaria de 2015 e "foi introduzido, em 2017, como forma de os preços não descerem de forma demasiado abrupta, de tal modo que isso possa pôr em causa o acesso dos medicamentos aos utentes", esclareceu o Ministério da Saúde ao JN.
Na portaria, assinada pelo secretário de Estado da Saúde, Diogo Serras Lopes, explica-se que, "observando-se, a par dos impactos da pandemia causada pela doença covid-19, um marcado crescimento da despesa com medicamentos, importa introduzir soluções que procurem garantir, por um lado, a melhor disponibilidade de medicamentos e a mitigação de ruturas e, por outro, a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde".
Suspensão nos genéricos
Desta vez, o travão vai funcionar por intervalos de preços. Assim, como determina a portaria do Governo, em 2022 fica suspensa a revisão dos preços de todos os medicamentos com PVP (preço de venda ao público) máximo inferior ou igual a 15 euros. Já para os medicamentos com PVP máximo entre 15 e 30 euros, a revisão não pode resultar numa redução superior a 5% do PVP máximo em vigor. Para os medicamentos com PVP máximo acima dos 30 euros, não poderá haver cortes no preço máximo em vigor superiores a 10%.
No mesmo diploma, o Ministério da Saúde decide manter, no próximo ano, a lista de países que atualmente serve de referência para a revisão dos preços de medicamentos, nomeadamente Espanha, França, Itália e Eslovénia. Além disso, volta a suspender parcialmente a revisão dos preços dos genéricos devido à pandemia.
No caso dos genéricos, "por questões de equidade", a suspensão da revisão dos preços não se aplica àqueles cujo preço máximo é superior ao valor máximo do medicamento de referência. Os pedidos de revisão excecional do preço que podem ser feitos pelo titular de autorização de introdução no mercado (AIM) ficam também suspensos em 2022.
Bial quer alguns remédios mais caros
O preço de venda de alguns medicamentos terá de subir, caso contrário poderão desaparecer do mercado. O aviso é de António Portela. O presidente executivo da farmacêutica portuguesa Bial defende que o aumento de custos das matérias-primas e dos transportes obriga a rever em alta o valor pago e considera "preocupante" a impossibilidade das farmacêuticas poderem mexer no preço dos medicamentos.
"Terá de haver casos específicos onde a tutela e a entidade regulamentar terão de olhar para os medicamentos e de fazer subida de preços ou não poderemos manter esses medicamentos no mercado", defendeu, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios.
O responsável da farmacêutica alertou, ainda, que Portugal não dispõe de uma política de criação de reservas de fármacos para fazer face a situações de crise, ao contrário do que sucede, por exemplo, nos Estados Unidos da América.
"Se acontecer um desastre natural, uma catástrofe, não temos reserva. Temos o que existe nos armazéns. Se não tivéssemos capacidade de fornecer mais, é verdade, faltariam medicamentos" no país.
Números
77% dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) assumem que a rutura de fármacos é um "problema grave" e metade das entidades inquiridas num estudo sobre o acesso ao medicamento assume que essas falhas acontecem mensalmente.
30% das unidades hospitalares públicas registam ruturas nos medicamentos todas as semanas. O estudo foi promovido pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, com o apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.