Abusos na Igreja

Padres denunciados ainda não vão ser afastados

Padres denunciados ainda não vão ser afastados

Os bispos portugueses anunciaram, esta sexta-feira, medidas a tomar pela Igreja Católica em resposta ao relatório sobre abusos sexuais de menores. A instituição não se compromete em afastar os padres denunciados e remete eventuais medidas para os bispos diocesanos.

Vinte dias depois de a comissão responsável por investigar denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal ter divulgado o relatório final sobre décadas de abusos na instituição, validando 512 dos 564 testemunhos recebidos e apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4 815 -, os bispos portugueses anunciaram esta sexta-feira alguns passos a tomar, incluindo "acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico" às vítimas, um "gesto público" em abril, a criação de um memorial na Jornada Mundial da Juventude e a revisão das diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e dos planos de formação dos seminários e agentes pastorais.

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Questionado sobre se os padres denunciados nos testemunhos recolhidos pela comissão independente vão ser afastados preventivamente da Igreja, o presidente da CEP, D. José Ornelas, não se comprometeu, adiantando que "é cada bispo que tem de ver, à luz do direito civil e canónico", as medidas a tomar. "A igreja só afasta padres com base sólida", disse, explicando várias vezes que aquilo que recebeu da comissão independente foi "só uma lista de nomes", que já foram enviados para todos os bispos onde os eventuais suspeitos possam estar ou ter estado em funções.

As denúncias validadas e a lista de nomes dos supostos abusadores que a Comissão Independente entregou hoje às respetivas dioceses não são suficientes, explicou. "Sendo uma lista de nomes, sem outra caracterização, torna-se difícil. A investigação exige redobrados esforços. Primeiro, é preciso saber quem são. No processo a seguir, seguimos as normas civis e canónicas. É preciso averiguar a verdade dos casos", destacou o bispo de Leiria-Fátima, notando que este não é "o fim de um processo", mas sim o "passar da página do relatório para uma atuação concreta".

Igreja afasta indemnizações

José Ornelas lembrou que o trabalho feito até agora foi "estudo" e não de "investigação criminal", e que a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) reconheceu que os testemunhos "darão lugar a poucos processos" (a maioria dos alegados crimes prescreveu).

"Não posso retirar uma pessoa do ministério só porque uma pessoa diz que esta pessoa abusou de alguém Enquanto não for minimamente provado, não posso. Retirar alguém do ministério é uma coisa grave", sublinhou, insistindo que é preciso saber "onde e quando" os abusos aconteceram e que a decisão será tomada à luz do direito canónico e civil.

O processo canónico, apesar de independente, vai ter em conta o processo civil, uma vez que é este que tem "os instrumentos de investigação adequados", assegurou D. José Ornelas, defendendo que a justiça se faz "com um procedimento reto e justo".

Sobre eventuais indemnizações às vítimas, o bispo afastou a hipótese de ser a Igreja a fazê-las. "Se há um mal feito por alguém, é esse alguém que é responsável", considerou, lembrando que qualquer indemnização terá sempre de passar por processos civis. Coisa diferente, ressalvou, será o apoio prestado às vítimas, que naturalmente envolverá esforço financeiro da Igreja.

"Gesto público" e memorial na JMJ

Numa conferência de imprensa em que foi reiterado "o firme propósito de tudo fazer para que os abusos não se voltem a repetir" e reforçada a política de "tolerância zero para abusadores", a Conferência Episcopal Portuguesa assegurou que vai continuar a dar voz às vítimas "para que o seu sofrimento não fique calado". Reiterou "profundo agradecimento" a quem deu o seu testemunho, quebrando em muitos casos "um silêncio guardado durante décadas", e deixou uma palavra de coragem "a todas as vítimas que ainda guardam a dor no íntimo do seu coração".

"É com dor que, novamente, pedimos perdão a todas as vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica em Portugal. Este pedido terá um gesto público no próximo mês de abril, aqui em Fátima, no decorrer da próxima Assembleia Plenária", anunciou o porta-voz da CEP, Manuel Barbosa, que anunciou também a construção de um memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) "e perpetuado, posteriormente, num espaço exterior da Conferência Episcopal Portuguesa".

Nova comissão e acompanhamento às vítimas

Indo ao encontro daquela que foi uma das recomendações da Comissão Independente, a Igreja criará uma nova "comissão articulada com um grupo específico" dentro da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, para receber denúncias. A proposta da CEP é que o grupo de trabalho seja constituído apenas "por leigos competentes nas mais diversas áreas de atuação", pessoas que não fazem parte da hierarquia da Igreja, embora possa ter um assistente eclesiástico.

O objetivo é que haja independência e "credibilidade perante as vítimas", a quem a Igreja garante "acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico". "Vamos assegurar o apoio às vítimas, no seu desejo", disse D. José Ornelas, sublinhando que a Igreja quer "estabelecer parcerias" e que há instituições que já se manifestaram disponíveis, de forma a que nenhuma vítima fique desacompanhada "por falta de meios"

Os bispos também anunciaram uma revisão das "diretrizes da Conferência Episcopal e dos planos de formação dos seminários e de outras instituições, bem como a conveniente preparação de todos os agentes pastorais". Destaque para o caso do "ambiente de confissão", que será abolida em espaços fechados. A abolição do sigilo da confissão "não está nem nunca estará em questão".

O anúncio das medidas acontece algumas semanas depois de a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja ter divulgado a validação de 512 testemunhos, de um total de 564 recebidos, e chegado a uma estimativa mínima de 4815 vítimas. Os "crimes hediondos" terão ocorrido desde a década de 1950, a maioria entre 1960 e 1980.

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