Daniel Sampaio, da comissão de investigação dos abusos na Igreja, junta-se às críticas aos bispos face às medidas anunciadas. Vítima pede menos desculpas e mais ação.
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"Dececionante." É desta forma que Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças - que, sexta-feira, cessou funções -, avalia as medidas apresentadas pelos bispos para fazer face aos abusos na Igreja Católica. "A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) não se centrou nas vítimas, não foi apresentado nada de concreto nos apoios a quem denunciou os abusos, os padres suspeitos não vão ser temporariamente suspensos e, se não houver pressão da opinião pública, vai cair tudo no esquecimento", disse no sábado ao JN.
Desde que D. José Ornelas, presidente da CEP, tornou públicas as intenções dos bispos sobre o que fazer com as informações recolhidas pela Comissão Independente que as críticas não param, sobretudo de católicos. Depois de ser tornada pública a validação de 512 testemunhos de abusos sexuais, apontando para um universo de 4815 vítimas, a CEP anunciou que será criada uma nova comissão para tratar deste assunto e mantidas as comissões diocesanas.
Sem datas, será criada uma rede de apoio psicológico e psiquiátrico para as vítimas e para os abusadores. Não está previsto o pagamento de indemnizações e o futuro dos padres acusados de abusos será decidido pelo bispo de cada diocese. A Comissão Independente entregou à CEP, e posteriormente ao responsável de cada uma das dioceses portuguesas, uma lista com cerca de cem nomes de padres e membros de ordens religiosas indicados como abusadores nos testemunhos recebidos. E é precisamente sobre este ponto que tem havido mais críticas.
Suspensão preventiva desejável
"D. José Ornelas espantou-se com a lista de nomes (dos padres nomeados pelas vítimas) e mostrou-se surpreendido", referiu o membro da antiga CI. "Não pode haver surpresa nenhuma porque os bispos já conheciam a lista e os nomes. A equipa de historiadores da comissão esteve, pessoalmente, em cada diocese a consultar os arquivos e a pesquisar esses mesmos nomes. Já todos sabiam quem tinham sido os padres nomeados pelas vítimas", frisou Daniel Sampaio. E continuou: "Está previsto no Direito Canónico a suspensão preventiva dos sacerdotes e era isso que deveria ser feito".
No Facebook, o perfil "Coração Silenciado", um espaço dedicado a vítimas de abusos na Igreja, está sem ação. Criado e gerido por uma vítima de abusos, a autora está a recuperar forças da "desilusão" sentida ao ouvir o presidente da CEP. "Foi tudo tão vago. As vítimas não precisam de mais desculpas, precisam de ações e de medidas concretas", disse ao JN. A página tem centenas de "amigos", entre eles, "pelos comentários que escrevem e pelas mensagens", terão sido também vítimas de abusos.
"Os bispos têm de estabelecer uma linha geral de ação que seja comum a todas as dioceses e não podem permitir que cada diocese aja conforme entender", referiu. "Agora, cada bispo faz como entende. Uns suspendem os padres abusadores e outros não. E vai continuar a ser assim", finalizou, dando eco a um sentimento de frustração transversal.
Guarda mantém em funções padre acusado
A diocese da Guarda mantém em funções um padre que está a ser investigado por abusos sexuais e que foi denunciado por outro sacerdote da mesma diocese. O pároco, de 61 anos, exerce funções em cinco paróquias de Figueira de Castelo Rodrigo, e foi apontado como autor de abusos feitos há 30 anos quando era pároco na Covilhã e orientador espiritual no Seminário do Fundão. Terá sido no seminário que abusou sexualmente de um rapaz de 12 anos que, entretanto, foi ordenado padre.
Por responder
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) considerou que "ainda ficaram muitas perguntas por responder" por parte da Igreja em relação aos abusos dos menores. E defende que devem ser tomadas medidas "muito brevemente", caso contrário, haverá consequências e impacto nas vítimas.
Funchal reage
A diocese do Funchal garante que nenhum dos quatro padres identificados pelas vítimas de abusos sexuais como estando na diocese está em funções e um dos nomes é mesmo "desconhecido". D. Nuno Brás, bispo local, diz que lhe foram entregues quatro nomes de sacerdotes, mas que nenhum está a exercer.