Assistiram com atenção e expectativa à conferência de imprensa da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e ainda estão a digerir a reação dos bispos portugueses ao relatório da comissão independente para o estudo dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica, que validou 512 testemunhos e aponta para um universo de vítimas da ordem das 4815. Vários católicos portugueses ouvidos pelo JN não escondem a sua desilusão e tristeza face às declarações dos bispos.
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"Havia muita expectativa sobre as decisões da CEP mas, afinal, o que foi anunciado, foi um memorial às vítimas e um pedido de perdão público. Foi uma desilusão", finalizou Manuel Pinto., católico e professor universitário
Maria João Sande Lemos, do movimento Nós Somos Igreja e uma das subscritoras da carta aberta aos bispos onde era pedido que tomassem medidas em relação aos abusos na Igreja, não esconde a sua desilusão. "Para a CEP, os membros do clero estão acima do povo", reagiu ao JN . "Se for um treinador de futebol, por exemplo, é logo suspenso até que se apurem os factos. Na Igreja não. Continua em funções contra todas as regras de bom senso", afirmou.
Se há dúvidas, tem que haver afastamento. Só os bispos é que não percebem isto
"Os membros da Igreja estão acima da lei? Os padres, só porque são padres, não são afastados das paróquias enquanto decorrem as averiguações? Se há dúvidas, tem que haver afastamento. Só os bispos é que não percebem isto", insistiu. "Os bispos conseguiram fazer com que o relatório da Comissão Independente, aparentemente, não tenha consequências porque ignoram as recomendações e os dados que lhes foram entregues", defendeu Maria João Sande Lemos, lamentando ver que a CEP "continua a ignorar as crianças e a não cuidar delas".
"Depois dos números do relatório da Comissão Independente, parece que os bispos não perceberam que ao fomentar o poder do clericalismo, estão a fomentar o encobrimento", referiu ao JN Manuel Pinto.
Luís Marinho, padre, assistente do Corpo Nacional de Escutas (CNE), cita o Papa Francisco para frisar a importância de envolver "o povo de Deus". "Se há apenas uma elite que decide, sem envolver o povo de Deus, não se está a tratar o assunto como é exigido", disse o sacerdote, embora admita que as medidas anunciadas são "um caminho que tem uma direção que é cuidar das vítimas".
"Tendo em conta a extrema delicadeza do assunto, devia ter ficado claro que os bispos vão envolver outras pessoas no processo de discernimento de cada caso", afirmou o assistente do Corpo Nacional de Escutas.
"Insensibilidade atroz"
Nuno Caiado, primeiro subscritor da carta aberta que impulsionou a criação de uma comissão independente para estudar os abusos na instituição, ouvido pela Lusa, também manifestou o seu desconforto.
A Igreja parece não ser capaz de construir uma resposta sólida ao problema
"As questões éticas, primeiro, e as questões morais, depois, parecem ter ficado subterradas pelas questões do direito, quer canónico, quer civil", afirmou Nuno Caiado, que descreveu o comunicado da CEP e as declarações do seu presidente, o bispo José Ornelas, como "uma resposta equivocada", sublinhando: "Não esperava mais, mas desejava mais. A Igreja parece não ser capaz de construir uma resposta sólida ao problema".
Para este católico, inserido num grupo de cerca de 200 pessoas e seis movimentos que divulgaram esta semana uma nova carta aberta com propostas para mudar a realidade exposta pela Comissão Independente, a posição da CEP sobre uma possível indemnização às vítimas de abusos sexuais por padres e elementos ligados à Igreja traduz uma "insensibilidade atroz".
"Fazer depender as indemnizações financeiras às vítimas de um processo cível é de uma insensibilidade atroz. E eu faço parte do grupo de pessoas que não considera que as indemnizações sejam, propriamente, a melhor solução. Daí a fazer depender de um processo nos tribunais civis parece-me uma coisa extraordinária e inaudita. O que temos aqui em causa é postergar a clarificação que já devia aparecer hoje. E isso parece-me um pouco triste", frisou.
Nuno Caiado criticou ainda a ausência de uma palavra sobre critérios ou metodologia a instituir junto das comissões diocesanas para prestar apoio às vítimas, bem como a atribuição da decisão de afastamento de padres abusadores a cada bispo, considerando que pode dar azo a uma "dualidade de critérios" na resposta a estes casos.
"Esta espécie de vácuo torna a situação muito desconfortável para todos nós", assumiu o subscritor da carta aberta, continuando: "Não me parece razoável esta lentidão e esta indefinição relativamente aos procedimentos que vão ser tomados para lidar com cada um dos casos, fazendo depender cada caso de novas informações sobre a pessoa. Tem de ser mais do que isso, não pode haver uma passividade para que as informações caiam no colo".