Especialistas de saúde pública e Governo voltaram a reunir-se esta quarta-feira, na sede do Infarmed, em Lisboa, para avaliar a evolução da pandemia de covid-19, numa altura em que Portugal regista um aumento significativo de infeções devido à maior capacidade de transmissão da variante ómicron.
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Cenário próximo: mais infetados, isolados, internados e pressão na Saúde
- Para o início de janeiro, prevê-se um aumento muito elevado do número de novas infeções (que deverá atingir entre as 42 mil e as 130 mil); um subsequente aumento do número de pessoas em isolamento (de 4% a 12%), com absentismo laboral e escolar; um máximo de camas ocupadas em enfermaria entre 1300 e 3700 no fim de janeiro e um máximo de camas em UCI entre 184 e 453 no início de fevereiro.
- Baltazar Nunes, do Instituto Dr. Ricardo Jorge, preconiza para as próximas semanas um impacto "muito elevado" nos serviços de saúde de primeira linha (ou seja, pressão sobre o SNS24, farmácias e urgências hospitalares).
Incidência de infeções aumenta, sobretudo nos jovens
- "Numa fase diferente" da pandemia, Portugal apresenta valores "históricos" em termos de infeções por Sars-CoV2: a incidência atual é de 2007 casos por 100 mil habitantes, mais 131% face à semana anterior. Na última semana, houve em média 21 mil casos por dia.
- Há uma incidência fortemente crescente em todas as regiões, com especial destaque para Lisboa e Vale do Tejo e para região autónoma da Madeira, e um aumento em todos os grupos etários, mas especialmente entre os mais jovens (o dos 20-29 é aquele em que existe uma maior incidência da infeção).
- O nível de infeções pode explicar-se pela circulação da variante ómicron, mais transmissível, pelo levantamento às restrições de circulação e pelo número de testes (cinco vezes maior do que há um ano).
Ómicron mais transmissível mas menos grave
- A ómicron, que já compreende 90% dos casos de covid-19 em Portugal, tem maior transmissibilidade do que as restantes variantes (cerca de 10 vezes mais do que a delta), graças ao número muito maior de mutações, à maior taxa de replicação nas vias aéreas superiores e à maior capacidade para "fugir" ao sistema humanitário. Por outro lado, tem menor severidade (devido à menor capacidade para se multiplicar nos pulmões), explicou João Paulo Gomes, do Instituto Dr. Ricardo Jorge.
- Presumivelmente graças à "potencial menor gravidade da infeção" e à imunidade adquirida (seja por vacinação ou por infeção), o risco de internamento de infetados com a variante ómicron é menor. Apresenta, segundo Ana Paula Rodrigues (INSA), um risco de hospitalização que corresponde a 40% do risco associado à delta (30% no caso de cuidados intensivos).
- A nível regional há alguma heterogeneidade na presença da variante: na semana antes do Natal, a região de Lisboa e Vale do Tejo já tinha a ómicron como variante mais prevalente e o Algarve ainda a tinha em níveis residuais (entretanto, já representa 40% dos contágios). A nível etário, a maior disseminação da ómicron aconteceu na faixa etária dos 20 aos 29 anos.
Dose de reforço pode elevar eficácia contra ómicron até 88%
- Com o surgimento da variante ómicrom em Portugal (cujo efeito começou a 14 de dezembro, consideram os especialistas), 20% das pessoas previamente infetadas não vacinadas perderam proteção contra uma segunda infeção.
- A efetividade vacinal contra a ómicron é "mais baixa" do que contra a delta, mas o reforço da vacina tem eficácia "moderada a elevada". Os estudos científicos mais recentes dão conta de que um reforço com a terceira dose tem potencial para, duas semanas depois, elevar a eficácia da vacinação contra a variante ómicron, no que respeita a evitar a hospitalização dos doentes, até 88%. Se o paciente apenas tiver as duas doses, os valores caem para 52% a 72%, dependendo do tempo que passou desde a inoculação.
Internamentos abaixo dos valores de alerta
- Apesar do aumento do número de internados (ontem, havia 1167 internados), que exige "alguma cautela", a ocupação de camas em cuidados intensivos encontra-se abaixo do valor de alerta e muito abaixo do que já se verificou nos hospitais portugueses. Os valores de internados em UCI estão a 58% da linha vermelha estipulada (255 camas).
- "Com dez vezes mais infetados, há hoje dez vezes menos internados", segundo Henrique Barros. O presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto diz que "há uma dissociação inequívoca entre o número de casos e a gravidade consequente, ou seja, a transformação da infeção em doença".
Impacto da vacinação no internamento e na mortalidade
- O risco de internamento é duas a seis vezes menor nas pessoas com vacinação completa acima dos 50 anos.
- "Estável", "moderada" e até "decrescente", a taxa de mortalidade encontra-se agora nos 19 óbitos por milhão de habitantes nos últimos 14 dias, uma taxa "abaixo do valor de referência" e dos valores que já se verificaram em Portugal.
- O risco de morte é substancialmente inferior nas pessoas com esquema vacinal completo. Antes da vacina, 27% dos casos na faixa etária dos 80 anos ou mais resultavam em morte. Depois da vacina, a percentagem reduziu para 8%-9%. E, com o reforço, baixou para cerca de 5%, indicou Pedro Pinto Leite (da DGS). Para Henrique Barros, apesar do "enorme" aumento da infeção em praticamente todos os grupos etários, excetuando nos escalões etários mais velhos, há uma "brutal" diferença para melhor no que toca a internamentos e mortes.
- 89% da população tem o esquema vacinal completo. Como prova de que "a vacinação funcionou e funciona", nos lares, o numero de surtos "diminuiu seis vezes" relativamente a janeiro de 2021, exemplifica Henrique Barros.
Testagem também explica aumento de infeções
- Na última semana, fizeram-se cerca de 1,7 milhões de testes, que tiveram 10,4% de positividade (superior ao valor de referência de 4% estipulado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças). O aumento na testagem, explicado pela época festiva, em que as pessoas privilegiaram a proteção, também pode ajudar a justificar o aumento do número de infeções.
Médicos de Saúde Pública pedem menos restrições
- Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, recomenda que se estimule "a autonomia da população", com uma "redução de medidas restritivas" e a manutenção da proteção dos setores e grupos mais vulneráveis. E defende que os autotestes passem a ser "acessíveis e gratuitos".
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