As reinfeções por covid-19 são "extremamente raras" e muito difíceis de confirmar. Em Portugal, houve, em 14 meses de pandemia, apenas um caso confirmado e documentado, explica, ao JN, João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).
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Na grande maioria das situações, são suspeitas que se revelam ter sido causadas por um teste com resultado "falso positivo". Mas o cenário atual pode mudar com as novas variantes, mais agressivas, do SARS-CoV-2.
"Há uma série de premissas que têm de existir" para considerar-se reinfeção. "É necessário que aconteçam dois episódios de infeção suficientemente separados no tempo; é preciso ter acesso às duas amostras, o que já não é fácil; e é necessário que essas amostras possuam uma carga viral razoável. Se não o tiverem, não é sequer possível caracterizar geneticamente o vírus para se perceber se é diferente do primeiro", esclarece o responsável pelo Núcleo de Bioinformática do Departamento de Doenças Infeciosas do INSA.
Positivo sem infeção
Na esmagadora maioria dos casos suspeitos de reinfeção analisados pelo INSA, prossegue o investigador, "a carga viral de uma das amostras roçava o limite da sensibilidade dos testes. Era tão baixa, que permite levantar a suspeita de falso positivo". E, quando isso acontece, prevalece o pressuposto da comunidade científica de que "os eventos são raros e a maior parte das suspeitas não é fundada". O que se verifica 19 vezes em cada 20 casos.
Contudo, há, também, situações em que pode estar-se perante um caso positivo verdadeiro, "mas não de uma infeção real". Pode acontecer a quem já esteve infetado e, também, a quem já recebeu a vacina contra este coronavírus.
Quem está imunizado (por infeção natural ou através da vacinação) e contacta com uma pessoa infetada com uma grande carga viral, pode, nos dias a seguir, testar positivo à covid-19, "porque o trato respiratório superior acabou por ser infetado", adianta João Paulo Gomes. Se o teste for feito alguns dias depois, o resultado já deverá ser negativo.
"Gostava de distinguir o positivo do infetado. Uma pessoa fica positiva, porque contactou com outra positiva. Mas não adoeceu, porque estava vacinado e o sistema imunitário debelou o vírus. Chamar reinfeção a isto é um bocadinho perigoso", alerta. No entanto, os especialistas têm receio de que as novas variantes possam trazer reinfeções. Até agora, os estudos têm tido por base inquéritos serológicos e não as análises genéticas das amostras.
Variantes preocupam
Em Manaus, no Brasil, cidade que deu nome a uma das variantes brasileiras do coronavírus, por exemplo, foi feito um teste serológico após a primeira vaga da pandemia que concluiu existir uma boa parte da população com imunidade e até poder-se ter chegado à imunidade de grupo.
"Uns meses mais tarde, houve uma elevada taxa de infeção que só seria explicável se houvesse episódios de reinfeção". Porém, não foi possível demonstrá-lo através das análises necessárias.
"Começam a existir demasiados relatos associados a algumas variantes, como a da África do Sul, esses sim documentados. Temos de estar atentos".
Pormenores
Imunidade por anticorpos
Ainda não é possível determinar quanto tempo dura a imunidade numa pessoa que esteve infetada por covid-19. A maior parte dos estudos mostra que, ao fim de seis ou de sete meses, estas pessoas ainda têm muitos anticorpos. Outros mostram que se perde ao fim de alguns meses. Mas, para o investigador João Paulo Gomes, estes estudos são "incompletos".
Imunidade celular pode durar mais
Segundo o investigador do INSA, a resposta imunitária humana tem outra componente que é a imunidade celular, "que nada tem a ver com a produção de anticorpos". Há estudos, revela, a concluírem que "a imunidade celular pode ir muito além do decaimento de anticorpos".
Objetivo é evitar doença grave
O objetivo principal das vacinas é evitar formas graves de doença que possam levar à hospitalização e à morte. "Dificilmente é imaginável que um vacinado vá parar ao hospital", adianta. Mesmo nos casos, como o da África do Sul em que o Governo deixou de dar a vacina da AstraZeneca por considerar que é menos eficaz na prevenção da variante sul-africana, o especialista entende que "qualquer imunidade é sempre melhor do que não ter imunidade".